Situação Geral dos Tribunais

Por penhora e apreensão do bem imóvel constituir alteração da situação juridicamente relevante, o TUI manteve a decisão de indeferimento da renovação da autorização de residência

      Em 2007, foi concedida autorização de residência temporária a A e seu agregado familiar, por preencherem os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, nomeadamente, por terem adquirido bem imóvel por preço não inferior a um milhão de patacas. O valor de mercado deste imóvel foi avaliado em HKD$1.960.000,00, equivalente a mais de dois milhões de patacas. Em 2012, A entrou em conflito com a Sociedade X e com a Sociedade Y, o que resultou, primeiro, na penhora, requerida pela Sociedade X no processo de execução, do referido bem imóvel feita pelo tribunal, e mais tarde, na apreensão, requerida pela Sociedade Y no processo de insolvência, do mesmo bem. Em 4 de Junho de 2013, quando A procedeu ao pedido de renovação de autorização de residência temporária junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, o mesmo ficou suspenso para análise, de modo a ser aquilatado se A e seu agregado familiar continuavam a reunir os requisitos legais exigidos pelo supracitado regulamento administrativo. No âmbito da Audiência Escrita, A indicou que o bem imóvel em causa tinha sido indevidamente penhorado e apreendido por estar, por lapso, exarado no registo da Conservatória do Registo Predial, A e o seu cônjuge, como casados no regime da separação de bens e não, como correctamente, no regime da comunhão de adquiridos, tendo o cônjuge de A direito à separação do bem, processo que já está em curso. E consequentemente, ainda que a penhora tivesse apenas incidido sobre o direito à meação de A, sempre estaria salvaguardado o valor-limite previsto no diploma legal acima referido, por o valor da meação da cônjuge, à data da aquisição do imóvel, não ser inferior a um milhão de patacas. Não obstante o exposto, com fundamento de que se verificaram a alteração da "situação juridicamente relevante" do pedido inicial de concessão de autorização de residência temporária (n.º 1 do art. 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005) e a falta de comunicação dessa alteração por parte de A (n.º 3 do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005), o Secretário para a Economia e Finanças indeferiu o pedido de renovação de fixação de residência temporária de A e seu agregado familiar.

      Inconformado, interpôs A recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância, que, por sua vez, negou provimento ao recurso.

      Ainda inconformado, veio A interpor recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, entendendo que, não obstante a penhora e a apreensão o bem que está na base da concessão da autorização foi sempre salvaguardado o valor-limite de um milhão de patacas, livre de quaisquer encargos; alegando também que não lhe cumpria a obrigação legal de comunicação, por os factos em causa não serem juridicamente relevantes e como tal, susceptíveis de produzir qualquer alteração da situação jurídica; e ainda imputando à recorrida a violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade.

      O TUI procedeu ao julgamento da causa, indicando, em primeiro lugar, que a competência do cancelamento da autorização de residência temporária, prevista no artigo 18.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder vinculado da Administração, isto é, quando ocorra extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência, a Administração tem de cancelar a autorização de residência temporária, e não pode deixar de o fazer. E a competência prevista no n.º 4 do artigo 18.º integra o exercício de um poder discricionário da Administração.

      Por outro lado, segundo o entendimento do TUI, no caso de penhora ou apreensão, ainda que o valor em dívida não abranja a diferença entre o valor do imóvel declarado pelo interessado à Administraçãoe o montante de um milhão de patacas, que é o valor mínimo de investimento previsto, esse imóvel será vendido, em princípio, no âmbito do processo. Logo, a situação relevante não é mantida, já que desaparece a titularidade do direito de propriedade do interessado sobre o imóvel. Mesmo que fosse admissível que o interessado se constituísse em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe fosse fixado, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, haveria que atentar que, na venda em Tribunal, dificilmente, o valor da venda atinge o valor de mercado. Por isso, a efectivação da penhora em processo de execução e a apreensão da fracção autónoma, no âmbito de processo de insolvência movido contra o recorrente, constituem ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência.

      Além disso, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência foi a titularidade da totalidade da fracção autónoma em causa, mas ora o recorrente passou a ser titular apenas de metade indivisa da fracção no processo de separação de bens, pelo que houve inequivocamente alteração da tal situação juridicamente relevante.

      Pelo que, impunha-se o cancelamento da autorização de residência temporária do recorrente, ao abrigo dos poderes vinculados da Administração, exercidos no uso da competência prevista no artigo 18.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.

      Assim sendo, improcede a invocação do recorrente de violação dos princípios de justiça e da proporcionalidade, que só são operativos quando a Administração exerce poderes discricionários. Por isso, em recurso jurisdicional é irrelevante apreciar determinada violação legal, se o sentido de acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados é legal e se tem de manter, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados.

      Face ao expendido, acordaram em negar provimento ao recurso jurisdicional.

      Cfr. Acórdão do TUI, no Processo n.º 79/2015.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14 de Janeiro de 2016