Situação Geral dos Tribunais

Mulher que enviou repetidamente mensagens ao marido insultando este e a sua namorada foi condenada pelo crime de difamação

        A arguida B é esposa do ofendido C. Começaram os dois a tratar das formalidades do divórcio em 2012. A outra ofendida, A, é namorada do ofendido C. A arguida e os dois ofendidos ficaram com ódio um do outro por causa de problemas afectivos. Desde Janeiro até Abril de 2013, a arguida, no uso de diferentes números de telefone, enviou, todos os dias e independentemente de ser dia ou noite, mensagens ao telemóvel de C, às vezes, mais de dez mensagens por dia, com intenção de perturbar a vida privada de C. As mensagens continham palavras que ameaçaram C e A de perigo para a vida e segurança, tendo provocado a A medo e inquietação. Além disso, a arguida, nas mensagens enviadas ao telemóvel de C, chamou a C “pato”, “cão”, e a A “galinha” (prostituta). A conduta de B levou A a sentir-se degradada.

        O Tribunal Judicial de Base, tendo apreciado o caso, condenou a arguida B, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça p. e p. pelo art.º 147.º, n.º 2 do Código Penal contra a ofendida A, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de MOP$100, convertível em 66 dias de prisão no caso de não ser paga ou substituída pelo trabalho; e de um crime de injúria p. e p. pelos art.ºs 175.º e 176.º do mesmo diploma legal, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de MOP$100, convertível em 30 dias de prisão no caso de não ser paga ou substituída pelo trabalho. Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de MOP$100, convertível em 80 dias de prisão no caso de não ser paga ou substituída pelo trabalho.

        Inconformada, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, invocando a seu favor três fundamentos: 1) o Tribunal a quo andou mal ao não optar pela pena de prisão quando aplicou o art.º 64.º do Código Penal para escolher a pena; 2) a pena de prisão que o Tribunal a quo devia ter escolhido seria suspensa na sua execução, desde que condicionada ao cumprimento das regras de conduta que proibissem a arguida de contactar a recorrente e de se aproximar da sua empresa; 3) a indemnização por danos morais fixada pelo Tribunal recorrido não reflecte valores como sejam a via tranquila e a honra da recorrente.

        Desde logo, manifestou o Tribunal de Segunda Instância após apreciada a causa que, em relação à condenação da arguida pela prática do crime de injúria decidida pelo Tribunal a quo, em virtude de o comportamento insultante da arguida ser facto praticado contra um terceiro que não a própria ofendida, a sua conduta, na óptica do Tribunal de Segunda Instância, deverá integrar o crime de difamação p. e p. pelo art.º 174.º do Código Penal. Por isso, quando cumprido o princípio do contraditório, o Tribunal de Segunda Instância vai alterar oficiosamente a condenação.

        A propósito do primeiro fundamento, conforme o Tribunal de Segunda Instância, apesar de a conduta da arguida ter ofendido gravemente a honra e a reputação da recorrente, é certo, pelo menos, que, atenta a sua conexão com a relação de namoro entre a recorrente e o marido da arguida, ainda não divorciado na altura, os prejuízos causados pelo crime e a intensidade da culpa da agente não são de tal forma acentuados que justifiquem a escolha da pena privativa da liberdade, razão pela qual não merece censura a opção do Tribunal a quo.

        Quanto à pretendida suspensão da execução da pena de prisão, acompanhada da imposição de medidas acessórias, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que, no contexto da referida decisão, não haverá base para suspender a execução da pena. Ao abrigo do princípio da legalidade, igualmente não se encontra base para aplicar pena acessória ou medida de segurança. E, mais relevantemente, os factos integradores do crime de ameaça e os insultos praticados pela arguida foram dirigidos directamente ao seu marido, sendo que não há indícios da existência de perigo iminente que justifiquem a aplicação de providência cautelar especificada. Nestes termos, é de improceder a pretensão da recorrente.

        No que diz respeito à indemnização civil, o Tribunal a quo fixou, pelo crime de ameaça, o montante de MOP$15.000 a título de indemnização por danos morais, e o montante de MOP$5.000 pelo crime de injúria. A circunstância de o crime de injúria ser convolado pelo Tribunal de Segunda Instância para o crime de difamação, a que a lei comina uma pena mais grave do que a aplicável ao crime de injúria, não prejudica a manutenção da quantia fixada pelo Tribunal a quo. Para além disso, a fixação da indemnização pelos danos morais ou não patrimoniais resultantes da prática de crimes faz-se pelo juiz à luz do princípio da justiça e equidade, tendo em vista os factos assentes e as circunstâncias concretas de cada caso concreto. É impossível encontrar uma fórmula de cálculo da indemnização por danos morais. No entender do Tribunal de Segunda Instância, não se vislumbrando desrazoabilidade ou inadequação manifesta do montante determinado pelo Tribunal a quo, não há margem para a intervenção do Tribunal de recurso.

        Face ao exposto, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em julgar improcedente o recurso da recorrente, e em passar a condenar oficiosamente a arguida pela prática do crime de difamação p. e p. pelo art.º 174.º do Código Penal, mantendo, porém, a pena determinada pelo Tribunal a quo.

        Cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 146/2015.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

29/01/2016