Situação Geral dos Tribunais

Refutado o registo predial por declaração falsa, o terceiro de boa fé não viu o seu direito protegido por não se ter completado o período de quarentena

        A (de sexo feminino) e B contraíram casamento em 22 de Outubro de 1991 na província de Fujian, fruto do casamento nasceram dois filhos. Em 2005, B adquiriu a fracção autónoma X, e em 23 de Janeiro de 2009, vendeu-a pelo preço de MOP$412.800,00 a C e D, que ao mesmo tempo constituíram a favor do Banco E hipoteca sobre a mesma fracção autónoma.

        Só posteriormente A tomou conhecimento de que B, no momento da aquisição da referida fracção autónoma, declarou ao notário privado que eles eram casados no regime da separação de bens, e que a fracção autónoma se encontrava inscrita apenas a favor de B. Pelas razões atrás referidas, o Banco E, sem desconfiar daquela transacção, autorizou o pedido de hipoteca de C e D.

        No dia 31 de Julho de 2009, A propôs uma acção no Tribunal Judicial de Base, invocando a alienação por B do bem imóvel comum do casal sem consentimento do cônjuge, para pedir ao Tribunal a anulação da compra e venda do imóvel celebrada entre B e C, D, e a consequente anulação da hipoteca constituída a favor do Banco E sobre o imóvel em questão, pretendendo também que fosse ordenado o cancelamento dos registos respectivos.

        Tendo conhecido da causa, acordaram no Tribunal Judicial de Base em julgar parcialmente procedente a acção proposta por A, anulando a compra e venda do imóvel em questão, determinando a restituição do imóvel por C e D, e declarando nula a hipoteca constituída sobre o imóvel a favor do Banco E.

        C, D e o Banco E não se conformaram com tal acórdão, vindo dele recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, que julgou o recurso em tribunal colectivo.

        Salientou o Tribunal Colectivo em primeiro lugar que, pelo facto de que A e B celebraram casamento em 1991 na província Fujian da China, nos termos da lex personalis aplicável no caso vertente, os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio eram bens comuns do casal. Com base nisso, o Tribunal a quo refutou o regime de bens do casamento declarado por B quando procedeu ao registo da aquisição da dita fracção autónoma. Nenhum dos recorrentes pôs em causa esta conclusão.

        Porém, na óptica dos recorrentes C e D, a decisão do Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 7.º e 8.º do Código do Registo Predial, uma vez que na respectiva acção não foi pedido pela autora o cancelamento do registo efectuado por B quando adquiriu a fracção autónoma em 2003, no qual estava indicado que o regime de bens do casamento deles era o da separação de bens. Conforme asseverou o Tribunal Colectivo, o espírito legislativo subjacente às normas supracitadas reside apenas em assegurar a maior conformidade possível entre o teor do registo predial e a sentença judicial, evitando contradições entre eles, e não pode ser interpretado no sentido de que todo o facto que conste do registo predial é inimpugnável até à alteração ou cancelamento do registo. Na verdade, a impugnação em processo judicial dum determinado facto constante do registo predial, desacompanhada do pedido de cancelamento do registo, terá como mera consequência o não prosseguimento do processo após a fase dos articulados. Apesar de o Tribunal a quo não ter actuado conforme as disposições acima referidas, não foram prejudicadas a apreciação e a decisão da causa, não se verificando, pois, a necessidade de anular ou modificar a decisão a quo, daí improceder o recurso nesta parte.

        Por sua vez, o recorrente Banco E entendeu que o Tribunal a quo devia tê-lo considerado como terceiro de boa fé, merecedor de protecção. No que se refere a esta questão, o Tribunal Colectivo concordou com a apreciação e a conclusão do Tribunal a quo. Nos termos do art.º 284.º do Código Civil, pese embora o recorrente Banco E que desconhecia a existência do respectivo vício, seja terceiro de boa fé, e o registo da sua aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, resta cumprir o período de quarentena fixado pela lei, ou seja, a acção de nulidade ou anulação só se torna inoponível ao terceiro de boa fé depois de se completar o prazo de quarentena de um ano. No caso sub judice, dado que a recorrida (autora) propôs e registou a acção dentro do ano posterior ao registo da hipoteca a favor do recorrente Banco E, não é protegido o direito (hipoteca) deste último, devendo ser declarado nulo o negócio em apreço.

        Pelo exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento aos recursos, mantendo, por conseguinte, a decisão recorrida.

        Cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 21/2014.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

22/02/2016