Situação Geral dos Tribunais

Quem enganar os bancos e obtiver empréstimos utilizando facturas comerciais falsificadas é condenado pela prática dos crimes de falsificação de documento e de burla de valor consideravelmente elevado

      Em meados de 2007, A pretendeu aproveitar a quota de financiamento bancário da “XX Comércio” e da “Companhia de Aço XX, Limitada” (designada simplesmente por “Aço XX”), ambas inscritas a favor dele, simular a compra de aço junto dos fornecedores, e requerer aos bancos o Invoice Financing com base nas falsas facturas de transacção de aço, a fim de levantar dinheiro em numerário para efeitos de investimento pessoal. Na segunda metade do ano 2007, A e B chegaram ao acordo, segundo o qual a “Engenharia XX” de B iria servir de fornecedor, simular a venda de aço à “XX Comércio” e “Aço XX” de A, e por sua vez, A iria requerer, sem compra efectiva de aço e com base nas falsas facturas de compra, aos bancos o Invoice Financing. Depois da concessão do empréstimo, B precisava restituir a A as quantias directamente adiantadas à “Engenharia XX” pelos bancos, e A prometeu a B interesses pecuniários, obtendo o consentimento de B.

      Por meio acima referido, no período compreendido entre Dezembro de 2007 e Maio de 2010, cinco bancos acreditaram erradamente na existência de transacção de aço entre as “Aço XX” e “XX Comércio” e a “Engenharia XX”, e concederam 121 empréstimos de Invoice Financing, no valor total de HKD$155.743.984,45. Ainda ficou provado o seguinte: A e B, sabendo bem que a “Engenharia XX” não tinha vendido aço às “Aço XX” e “XX Comércio”, e em conjugação de esforços e intenções, fabricaram 47 facturas comerciais falsas da “Engenharia XX”; A, sabendo bem que não tinha recebido aço da “Engenharia XX”, fabricou e assinou 21 “guias de entrada de mercadorias” falsas e 12 “recibos de carga (cargo receipt)” falsos; e A, sabendo bem que a “Companhia de Consultores XX, Limitada”, a “Companhia de Construção e Engenharia XX, Limitada”, a “Companhia de Desenvolvimento XX, Limitada” e a “Companhia de Construção XX, Limitada” não tinham comprado aço junto da “Aço XX”, deu instruções ao 3º réu para fabricar 18 “facturas comerciais” falsas da “Aço XX”, que serviram de dados de transacção de aço “a jusante”.

      Face aos supracitados factos, o Ministério Público deduziu acusação contra os 3 réus A, B e C, e através da audiência de julgamento realizada pelo Tribunal Colectivo do Juízo Criminal do TJB, foi decidido o seguinte: condenar a 1ª ré A, pela prática em autoria material e na forma consumada de 96 crimes de falsificação de documento (45 pela falsificação de facturas comerciais da “Engenharia XX”, 33 pela falsificação de “guias de entrada de mercadorias” e “recibos de carga”, e 18 pela falsificação de facturas comerciais da “Aço XX”), p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. b) do CPM, e 121 crimes de burla de valor consideravelmente elevado, p. p. pelo art.º 211.º, n.º 4.º, al.s a) e b) do CPM, em cúmulo jurídico da pena aplicada aos 217 crimes em concurso, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva; condenar o 2º réu B, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de 45 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. b) do CPM, e pela prática como cúmplice e na forma consumada de 121 crimes de burla de valor consideravelmente elevado, p. p. pelo art.º art.º 211.º, n.º 4.º, al.s a) e b) e art.º 26.º do CPM, em cúmulo jurídico da pena aplicada aos 166 crimes em concurso, na pena de 3 anos de prisão efectiva; e absolver a 3ª ré dos crimes acusados.

      Inconformados com as referidas decisões, vieram os réus A e B recorrer para o TSI. No entendimento de B, o tribunal a quo, por um lado, reconheceu-o como cúmplice, mas por outro lado, considerou verificado o requisito de “fizer da burla modo de vida”, pelo que incorreu no erro na aplicação da lei; e A entendeu que já tinha amortizado todos os empréstimos de “Invoice Financing” concedidos pelos bancos e estes não tiveram nenhum prejuízo, razão pela qual não se verificou o requisito de “enriquecimento ilegítimo” do crime de falsificação de documento, nem o requisito objectivo de prejuízo patrimonial do crime de burla de valor consideravelmente elevado; por fim, ambos os réus alegaram que as suas condutas constituíram crime continuado.

      O Tribunal Colectivo do TSI procedeu ao julgamento da causa.

      Inculcou o Tribunal Colectivo, desde logo, que os factos criminosos de falsificação de documento, praticados pelos 2 recorrentes, são parte da prática do crime de burla de valor consideravelmente elevado, e apesar de serem actos praticados no mesmo processo de crime, atendendo aos bens jurídicos violados, são susceptíveis de incriminação autónoma.

      O recorrente B foi qualificado como cúmplice, o que representa apenas o seu papel desempenhado e a sua posição tomada na participação do esquema criminoso, não havendo qualquer contradição com o reconhecimento de fazer de tais actos criminosos modo de vida. Quanto ao entendimento de “fizer da burla modo de vida”, não se exige a “habitualidade” nem a “profissionalização”, basta que corresponde ao entendimento comum dos cidadãos em geral. Desde que o tribunal a quo provou o facto de que o recorrente fez da burla modo de vida, não merece censura a aplicação da lei.

      Em relação à falta de benefício ilegítimo invocada pela recorrente A, o Tribunal Colectivo entendeu que a recorrente simulou, através da falsificação de documentos correspondentes, a compra e venda de mercadorias, obteve empréstimos concedidos pelos bancos, e ficou com benefícios que teriam sido impossíveis – o financiamento dos bancos (ainda que oneroso), pelo que já obteve, sem dúvida, benefícios ilegítimos.

      E a falta de prejuízo efectivo alegada pelo recorrente é apenas um conceito contabilístico, porque para os bancos, a concessão de um empréstimo indevido já constitui prejuízo no aspecto jurídico. Quando o banco coloca um fundo num empréstimo injustificado, já assume o risco, sendo obviamente reduzido o seu valor de crédito, e o crédito e risco são elementos quantificáveis na actividade bancária. Por isso, neste caso concreto, já se verificou o elemento constitutivo do crime de burla de valor consideravelmente elevado, isto é, o prejuízo efectivo.

      Quanto à constituição de crime continuado invocada pelos 2 recorrentes, o Tribunal Colectivo indicou que cada vez os recorrentes apresentam documentos aos bancos para a revisão, trata-se de um processo de revisão independente. Embora seja mesmo o modo de execução, são diferentes as resoluções criminosas e as condições de revisão bancária, pelo que não existe qualquer factor exterior que solicitou aos recorrentes a realização plúrima e forçada de crimes ulteriores, não se verificando os requisitos de “crime continuado”.

      Face ao expendido, acordam em julgar improcedentes os recursos dos 2 recorrentes, mantendo-se o acórdão do tribunal a quo.

      Cfr. o Acórdão do TSI, no Processo n.º 772/2014.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

09/03/2016