Situação Geral dos Tribunais

Funcionário público faleceu antes da prolação do despacho de atribuição de moradias da RAEM, o direito ao arrendamento não pode ser transmitido para o seu cônjuge sobrevivo

   B, funcionário dos Serviços de Alfândega, candidatou-se, em 2012, ao concurso público para a atribuição de moradias da RAEM aos funcionários dos quadros locais de nomeação definitiva dos serviços e organismos públicos e foi admitido. Em 6 de Março de 2013, o Júri do concurso publicou a lista classificativa do concurso, em que B foi classificado em 11.º lugar para a atribuição de moradia de tipologia do grupo B – T2. Em 13 de Maio de 2013, B decidiu escolher a moradia sita no Edifício X para arrendamento e no mesmo dia assinou a Declaração de Escolha de Moradia na Direcção dos Serviços de Finanças. Entretanto, em 20 de Julho de 2013, B faleceu, razão pela qual A, cônjuge sobrevivo de B, apresentou um pedido à DSF para que fosse autorizada a transmissão mortis causa do direito ao arrendamento da moradia da RAEM de B para A e seu filho. Por despacho datado de 21 de Agosto de 2013, o Chefe do Executivo homologou a lista de distribuição das moradias da RAEM, conforme o qual, foi atribuída a B a moradia por ele escolhida. Contudo, posteriormente, por despacho datado de 10 de Setembro de 2013, o Chefe do Executivo indeferiu o pedido de transmissão do direito ao arrendamento paraA e seu filho.

   Inconformada, A interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que a decisão do Chefe do Executivo que indeferiu o seu pedido violou o artigo 22.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 31/96/M que prevê a transmissão por morte, imputando, ainda, à Administração a inobservância dos prazos previstos na lei para a publicação da lista provisória, da lista definitiva e da lista classificativa, fazendo com que B não pudesse concluir, antes do terminus da sua vida, todo o procedimento legal do concurso e celebrar o contrato de arrendamento, não devendo, assim, esta consequência ser assumida pela recorrente e pelo seu filho.

   Conhecendo do processo, o Tribunal de Segunda Instância apontou que in casu, B, ex-marido de A, faleceu depois da lista classificativa e antes da prolação do despacho de atribuição de moradias pelo Chefe do Executivo, pelo que, a questão chave consiste em saber se B já adquiriu o direito ao arrendamento antes do seu falecimento.

   Entendeu o Tribunal Colectivo que a eficácia dos efeitos atributivos de moradias já definidos pelo júri na lista classificativa, prevista no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, depende da prolação do despacho do Chefe do Executivo, previsto no seu artigo 17.º n.º 2. Daí resulta que a lista classificativa definida pelo júri é um elemento que respeita à validade do acto, enquanto o despacho de atribuição de moradias pelo Chefe do Executivo é uma formalidade respeitante à produção dos efeitos externos do acto. In casu, o falecimento de B antes da prolação do despacho de atribuição de moradias pelo Chefe do Executivo impediu que este acto administrativo produzisse os efeitos externos, uma vez que a eficácia do acto pressupõe sempre a vida do candidato e a conservação, por parte do candidato, ao longo de todo o procedimento administrativo, da sua qualidade de funcionário provido por nomeação definitiva em lugares dos quadros dos serviços ou organismos públicos. Apesar de o acto administrativo de atribuição da moradia ser válido, o mesmo ainda não é legalmente eficaz em relação a B (artigo 119.º alínea c) do Código do Procedimento Administrativo) antes do seu falecimento, por outras palavras, o direito ao arrendamento nunca entrou na sua esfera jurídica, pelo que, o direito ao arrendamento nunca pode ser transmitido mortis causa para o seu cônjuge sobrevivo nos termos prescritos no artigo 22.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei acima referido. Assim sendo, não andou mal a Administração, ao indeferir o pedido formulado pela recorrente quanto ao invocado direito ao arrendamento.

   Quanto ao argumento subsidiariamente invocado pela recorrente, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que independentemente da eventual responsabilidade por parte da Administração na demora causada pela alegada inobservância dos prazos procedimentais e da existência ou não das causas desculpantes na alegada demora, a inobservância dos tais prazos de natureza meramente ordenadora e disciplinar, na falta da norma expressa impõe o contrário, nunca afecta a validade do acto administrativo nem tem a virtualidade de converter o direito ao arrendamento hipoteticamente adquirido pelo seu falecido marido num direito realmente adquirido, de modo a que a recorrente pudesse suceder mortis causa neste mesmo direito ao arrendamento.

   Pelos fundamentos acima expostos, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instâncianegou provimento ao recurso.

   Cfr. o Acórdão do TSI, no Processo n.º 11/2014.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

22/04/2016