Situação Geral dos Tribunais

O cheque de garantia não tem de obedecer aos requisitos da fiança por não ser fiança

     F é o promotor de uma das salas VIP no casino C explorada pela sociedade C. Em Outubro de 2012, C não possuía meios financeiros suficientes para liquidar os montantes que, a título de comissões, seriam devidos ao F. Após negociações, F consentiu em conceder a C um prazo para tentar recuperar a sua situação financeira, mas exigiu que esta apresentasse uma garantia de pagamento.C não tinha possibilidade de apresentar a garantia exigida, pelo que veio a solicitar à A, com quem possui uma estratégia de gestão conjunta e integrada e compartilha uma administração comum ao longo dos anos, a emissão de um cheque pós-datado para a data de 05/11/2012. Por indicação do F, apenas o nome da B foi aposto no cheque. F assumiu que o cheque seria devolvido à A quando C estivesse em condição de pagar a dívida. Posteriormente, por C não ter feito o pagamento, B e F recusaram a restituição do cheque. B apresentou o cheque ao pagamento em 08/11/2012, mas foi recusado pelo banco. Portanto, contra a sacadora A, B intentou no Tribunal Judicial de Base (TJB) uma acção de execução para pagamento de quantia certa, tendo o cheque referido como título executivo. Depois, C efectuou um pagamento parcial da dívida no montante de HKD$500.000,00.

     A deduziu embargos de executada. Com fundamento em não existir relação juridical fundamentalde crédito entre sacador (A) e portador (B), o TJB julgou procedentes os embargos pela A e declarou extinta a execução.

     Inconformada, B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que, por Acórdão de 21 de Janeiro de 2016, entendeu que se pode constatar nos factos provados, a existência de uma relação substantiva de garantia entre sacador (A) e portador (B), assumindo A a pagar, caso C não venha a liquidar a dívida que tinha para com F. Como A não logrou provar factos demonstrativos das causas impeditivas ou extintivas da dívida principal, garantida mediante a emissão do cheque pós-datado, e nem foi demonstrado o cumprimento pela C, portanto tornou-se exigível o cumprimento da dívida pela sacadora A, perante portadora B, que ficou credor mediante cessão de crédito. Por isso, o TSI julgou parcialmente procedente o recurso, admitindo o prosseguimento da execução, esta excepto na parte respeitante ao pagamento parcial da dívida, no montante de HKD$500.000,00.

     Inconformada, A recorreu para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões: 1.Não se provou que o cheque dos autos tivesse sido emitido por A, em garantia do pagamento da dívida da C para com  F; 2.Se, a proceder o entendimento do acórdão recorrido de que A teria garantido a obrigação da C, estaríamos então, no que ao enquadramento jurídico dessa garantia diz respeito, perante uma fiança, cuja vontade de prestar fiança não teria sido expressamente declarada, nem se fazendo alusão à existência da obrigação garantida e ao nome do devedor principal, assim, também por falta de forma da suposta fiança, teria que concluir-se pela inexistência de qualquer obrigação da A de pagamento relativamente à dívida da C.

     O TUI conheceu da causa. O Tribunal Colectivo indicou que, no que respeita à primeira questão, o TUI, quando julga em recurso jurisdicional, em 3.º grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito, sendo que não se alegou, no que toca ao julgamento da matéria de facto, qualquer ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Por isso, o Tribunal Colectivo não apreciou esta questão.

     Entendeu o Tribunal Colectivo que, no que concerne à segunda questão, um cheque pode ser sacado para garantir antecipadamente o pagamento de um bem ou serviço, destinando-se a ser depositado ou rebatido (só) em caso de falta de pagamento oportuno desse bem ou serviço. Este cheque chama-se cheque de garantia, e há muito que a prática comercial o conhece, não se tendo suscitado questões quanto à sua validade. Ele é sacado em branco, destinando-se a ser preenchido posteriormente – se a obrigação garantida não for (adequadamente) cumprida –, ou é simplesmente pós-datado, isto é, sacado completo, mas com indicação de data posterior à da sua efectiva criação. O cheque em causa é um cheque de garantia, na modalidade de pós-datação, obedecendo a todos os requisitos legais. Não é fiança, pelo que não tem de obedecer aos requisitos da fiança. Portanto, também improcedeu a questão suscitada.

     Pelo exposto, o Tribunal Colectivo acordou em negar provimento ao recurso, determinando o prosseguimento da execução.

     Vide os Acórdãos do TSI e do TUI, processos n.ºs 364/2015 e 34/2016.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

13/07/2016