Situação Geral dos Tribunais

Rejeitado o recurso de anulação do contrato de compra e venda de imóvel por não ter logrado provar a incapacidade acidental

   A (autora) e C casaram-se em 1996 sem convenção antenupcial. C adquiriu por sucessão hereditária metade da fracção autónoma num edifício e adquiriu a outra metade indivisa da mesma fracção em 1997. Em 2 de Agosto de 2010 C, por sofrer de esquizofrenia, foi internado no hospital, tendo tido alta hospitalar em 30 de Março de 2011, mas foi sido autorizado pela médica a sair do hospital no período de 21 de Dezembro de 2010 a 4 de Janeiro de 2011. Em 29 de Dezembro de 2010, C e B (Ré) celebraram o contrato-promessa de compra e venda sobre o referido imóvel e assinaram o contrato prometido em 3 de Janeiro de 2011.

   A Autora intentou no Tribunal Judicial de Base um processo ordinário, pedindo que fosse anulada a acção de compra e venda de imóvel entre C e a Ré com base na incapacidade acidental de C aquando da realização da venda e cancelado o registo de aquisição do mencionado imóvel por banda da Ré. O TJB negou provimento à acção por a Autora não ter logrado provar a incapacidade acidental de C, nem conseguido demonstrar que tal estado de C era notório e cognoscível da Ré.

   Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, defendendo que devia-se ter ficado provado que “mesmo durante a saída temporária do internamento, C se encontrava em tratamento e a ser medicado, não tendo havido uma melhoria significativa no seu estado de saúde, caso contrário, teria recebido alta hospitalar ao invés das já mencionadas “férias””. Com base nesta ilação a Autora pretendia demonstrar o estado de incapacidade acidental de C no momento da celebração do contrato, pedindo da qual que fosse abolida a decisão de direito proferida pelo TJB e, em consequência, fosse julgado procedente o recurso de anulação da acção de compra e venda da fracção.

   Apontou o TSI que o facto invocado pela Autora não foi levado à base instrutória e portanto não podia ter sido provado, além disso, a decisão de direito só pode fundar-se nos factos provados e/ou nas ilações extraídas dos factos provados, mas nunca directamente nos depoimentos em si. E as ilações ou presunções judiciais a deduzir a partir dos factos apurados na 1ª instância não podem alterar nem divergir esses factos julgados assentes pelo tribunal a quo, e conflituar com as respostas afirmativas e negativas aos quesitos. “Se nós agora conseguíssemos deduzir da matéria de facto provada as ilações de que C se encontrava notoriamente incapacitado no momento da escritura pública, certamente estaríamos a afirmar algo que não poderia ser reportado como decorrência lógica dos factos provados e a dar como provados os factos que contrariam as respostas negativas aos quesitos versando sobre a matéria fáctica”, disse ainda o mesmo Tribunal.

   O TSI não entendeu que C se encontrava acidentalmente incapacitado no momento da outorga da escritura pública. “…pois a experiência de vida e as lógicas das coisas ensinam que C não podia ter sido autorizado pelo médico assistente a sair da Ala de Psiquiatra do hospital para gozar uns dias de “férias” se se encontrasse ainda num estado de incapacidade de entender e querer, notória e cognoscível”, indicou o tribunal de recurso.

   Assim, sem comprovação de outros factos por via de presunção judicial e apenas com base na matéria de facto assente, o TSI concordou com o fundamento do Tribunal a quo, entendendo que a Autora não logrou demonstrar o estado de incapacidade acidental de C, notório e cognoscível, da Ré, no momento da celebração do contrato.

   Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância rejeitou o recurso interposto pela Autora, mantendo a decisão recorrida.

   Cfr. o acórdão proferido no processo nº 615/2014 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

04/08/2016