Situação Geral dos Tribunais

Vendedora deliberadamente induziu comprador em erro no trespasse de empresa, TSI decidiu baixar o preço de trespasse segundo o princípio da equidade

A queria vender a empresa comercial denominada “Café D”. B, no dia 7 de Abril de 2020, deslocou-se àquela empresa para negociar com C, marido de A, a aquisição da empresa. A e C bem sabiam que o “Café D” só podia acomodar até 34 clientes e que a construção do balcão chinês (“kok chai”) daquele restaurante não fora legalmente aprovada, portanto, os lugares no “kok chai” não podiam ser usados legalmente para receber clientes. Mesmo assim, C ainda forneceu deliberadamente a B informações falsas, fazendo com que B acreditasse erradamente que, depois de comprar o “Café D”, ele poderia explorar legalmente um estabelecimento de comidas e bebidas que podia acomodar cerca de 70 clientes. B e C chegaram a um consenso após negociação - B adquiriria a dita empresa de A pelo preço de HKD$350.000,00. A 13 de Abril de 2020, A e B assinaram o contrato-promessa de trespasse relativo àquela empresa e B pagou, no mesmo dia, um sinal no valor de HKD$150.000,00. A 4 de Junho de 2020, A e B celebraram o contrato prometido de trespasse da empresa e no dia seguinte concluíram as formalidades do trespasse da empresa na DSF.

Após 5 de Junho de 2020, quando B se dirigiu ao IAM para proceder à transferência da titularidade da licença do estabelecimento de comidas e bebidas, o funcionário do IAM informou-o que de acordo com a licença de estabelecimento de comidas e bebidas do "Café D" tal restaurante só podia acomodar até 34 pessoas. Em 15 de Junho de 2020, B enviou uma carta a A mediante o seu patrono, na qual exigiu a redução do preço de trespasse. Em 26 de Junho de 2020, A respondeu através do seu patrono, recusando-se a reduzir o preço, exigindo, ao mesmo tempo, a B que pagasse o restante preço de trespasse no valor de HKD$200.000,00. Depois de ter recebido a referida resposta em 29 de Junho de 2020, B não pagou o resto do preço a A, por conseguinte, esta intentou acção declarativa contra B. Após o julgamento, o Tribunal Judicial de Base julgou parcialmente procedente o pedido de A, condenando B a pagar a A o restante preço de trespasse no valor de HKD$200.000,00, acrescido de juros à taxa legal desde 5 de Julho de 2020 até integral pagamento.

Inconformado, B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.

Tendo conhecido do recurso, o Tribunal Colectivo do TSI referiu que ainda que no contrato de trespasse não fosse especificado que a capacidade do estabelecimento para receber clientes é o critério para a fixação do preço de trespasse, tendo interpretado globalmente a matéria de facto provada em primeira instância, o Tribunal Colectivo entende que, em termos jurídicos, de uma série de fatos provados, pode concluir-se que a capacidade de receber clientes no estabelecimento é, pelo menos, um dos elementos principais a considerar na fixação de preço. A par disso, dos factos provados resultou claramente que a Autora agiu contra o princípio da boa-fé durante a negociação entre as duas partes sobre o trespasse. Apontou o Tribunal Colectivo que, na fase de negociação antes da celebração do contrato, os sujeitos-participantes devem actuar segundo as regras da boa-fé, sob pena de incorrerem em responsabilidade civil pelos danos causados, tal como preceitua o art.º 219.º do Código Civil. Se A, que é trespassante no acto de trespasse do estabelecimento de comidas e bebidas, ao negociar o trespasse, induziu deliberadamente B em erro sobre o número de pessoas que a licença do estabelecimento permite, fazendo-o aceitar o preço de trespasse fixado por acreditar erradamente que o estabelecimento podia acomodar mais clientes do que a licença permite, B pode, segundo o princípio da equidade, pretender a redução do preço de trespasse na contestação feita na acção intentada por A para exigir o pagamento do preço de trespasse.

Face ao exposto, acordaram, em conferência, os juízes da secção civil e administrativa do Tribunal de Segunda Instância em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão judicial proferida na primeira instância e condenando B a pagar a quantia de MOP que correspondente a HKD$100.000,00 a A, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da decisão do recurso.

Cfr. Acórdão do processo n.º 401/2021 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

 17/08/2022