Situação Geral dos Tribunais

A simples condução depois do consumo de estupefacientes já constitui crime de condução sob influência de estupefacientes

        Em 24 de Dezembro de 2012, pelas 5h00 da manhã, o pessoal policial mandou parar, para investigação, o veículo automóvel na altura conduzido pelo Réu numa via pública, e descobriu que a cara dele apresentava reacção retardada. Duvidando que o mesmo tivesse consumido estupefacientes antes de conduzir, levou-o ao teste por parte do Centro Hospitalar Conde de São Januário. Revelou o relatório do teste que o Réu apresentou reacção positiva em relação a “Ketamina” e “Cocaína”, substâncias estupefacientes controladas pela Lei n.º 17/2009.

        O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento deste caso, decidindo absolver o Réu do imputado crime de condução sob influência de estupefacientes previsto e punível pelo art.º 90.º, n.º 2 da Lei n.º 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), e condená-lo apenas como autor de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, pois entendeu que não estava provado que o Réu tenha conduzido intencionalmente o veículo automóvel em via pública sob influência de estupefacientes. Inconformado com o assim decidido, veio o Ministério Público recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que a sentença a quo padecia de erro notório na apreciação da prova.

        Como foi apontado pelo Tribunal de Segunda Instância, só se poderia concluir pela falta de influência de estupefacientes na condução de veículo, quando e só quando se apurasse que o corpo da pessoa condutora não tivesse reacção positiva a qualquer substância estupefaciente ou psicotrópica, hipótese essa que obviamente não aconteceu no caso sub judice. Por outras palavras, para efeitos de preenchimento cabal do tipo legal de crime consagrado no art.º 90.º, n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, não é necessário indagar sobre o grau ou o nível de influência das substâncias estupefacientes ou psicotrópicas consumidas pelo condutor no seu acto de condução, o que se mostra diferente do que sucede com o tipo legal de crime de condução em estado de embriaguez, visto que a mesma Lei do Trânsito Rodoviário acaba por sancionar os actos de condução sob influência de álcool em três níveis distintos, punindo-os, no nível mais grave, a título de “crime de condução em estado de embriaguez” (cfr. o art.º 90.º, n.º 1), e, nos dois níveis menos graves, já a título de contravenção (cfr. o disposto sobretudo nos n.ºs 3 e 2 do art.º 96.º), dependendo tudo do grau concreto de influência de álcool na pessoa condutora. Ademais, em caso de condução em estado de embriaguez, ao abrigo do disposto nos art.ºs 116.º/1 e 117.º da Lei do Trânsito Rodoviário, “se o exame de pesquisa de álcool no ar expirado for positivo, o examinado pode requerer de imediato a contraprova”. Pelo contrário, a mesma solução não é aplicável para os actos de condução sob influência de estupefacientes, em relação aos quais a lei já os pune todos, sem distinção de qualquer nível concreto de influência de estupefacientes na pessoa condutora, para além de não prever qualquer via de contraprova.

        Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, condenando o Réu, com base no resultado positivo do teste a que se submeteu o mesmo, como autor material de um crime de condução sob influência de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 90.º, n.º 2 da Lei o Trânsito Rodoviário, e incumbindo o Tribunal a quo de determinar a medida concreta da pena deste crime e proceder, nos termos do art.º 71.º do Código Penal, ao cúmulo jurídico desta com a pena fixada para o crime de consumo ilícito de estupefacientes também praticado pelo Réu.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 463/2013.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

27/02/2014