Situação Geral dos Tribunais

Ofensa simples à integridade física convolou-se na ofensa qualificada devido à gravidade das circunstâncias

        No dia 8 de Janeiro de 2010, à noite, os arguidos B, D, A, C, E, F e os então menores XXX e XXX reuniram-se numa sala VIP dum karaoke para beber e se divertir, em celebração do aniversário do arguido A. Pelas 5 horas da madrugada, XXX, XXX e o arguido C saíram do karaoke com várias outras pessoas, ficando, depois, XXX e XXX à espera de táxi à porta do karaoke. Nessa altura, o ofendido, conduzindo um táxi amarelo (que presta serviços por chamada telefónica), passou pelo local e não parou. Quando o táxi passou por XXX, este deu, de repente, um pontapé na porta do táxi. O ofendido parou o táxi do lado da rua e informou a sua empresa do que aconteceu no uso do equipamento de rádiocomunicações instalado no táxi. A seguir, pegou no seu telemóvel de marca “NOKIA” para chamar a polícia. Visto isso, XXX e XXX foram até ao lado do lugar de condutor e começaram a bater no ofendido. Tendo o ofendido sido forçado a descer do veículo, XXX e XXX chamaram os arguidos B, D, A, C, E e F para, juntos, espancarem o ofendido, que foi atacado com socos e pontapés, e agredido na cabeça com garrafas de vidro vagas e tijolos. Os ofensores só pararam a agressão e fugiram em debandada quando os veículos da polícia e ambulância chegaram ao local. Da aludida conduta violenta dos arguidos resultaram directamente ferimentos no ofendido, vindo este internado no hospital para se submeter ao tratamento até 21 de Janeiro de 2010. O diagnóstico feito no hospital indicou: o ofendido sofreu uma fractura no processo transverso direito de 2ª vértebra lombar, várias contusões e lacerações na pele da cabeça e na mão direita, além de contusões no tecido mole de diversas partes corporais. De acordo com a perícia médico-legal realizada, as lesões supramencionadas necessitavam de trinta dias para se recuperarem, e já constituíam uma ofensa simples contra a integridade física e a saúde do ofendido. Na altura da agressão, o arguido A ainda pegou o telemóvel do ofendido no chão, e atirou-o para o chão com muita força, levando a que o telemóvel se tenha partido.

        Com base nisso, o Colectivo do Tribunal Judicial de Base decidiu: 1) condenar o 1º arguido A, o 2º arguido B, o 3º arguido C, o 4º arguido D, o 5º arguido E e o 6º arguido F, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa simples à integridade física p. e p. pelo Código Penal, na pena de seis meses de prisão efectiva para cada um; 2) condenar o 1º arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano simples, com circunstâncias atenuantes especiais previstas no Código Penal, na pena de dois meses de prisão. Em cúmulo jurídico, o arguido A foi condenado na pena única de sete meses de prisão efectiva.

        Da decisão supracitada, os seis arguidos interpuseram recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância, arguindo o excesso das penas aplicadas, e solicitando a suspensão da execução das penas ou, em alternativa, a substituição da prisão por multa.

        No entender do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância, os recorrentes decidiram participar na agressão contra o taxista apenas porque o mesmo não parou o táxi e quis usar o seu telemóvel para chamar a polícia, conduta agressiva essa cujo motivo consubstanciou um “motivo fútil” a que se refere o art.º 129.º, n.º 2, al. c) do Código Penal, havendo que convolar o crime de ofensa simples à integridade física em que os seis arguidos foram condenados pelo Tribunal a quo para um crime de ofensa qualificada à integridade física previsto no art.º 140.º, conjugado com o art.º 137.º, n.º 2 e o art.º 129.º, n.º 2, al. c), todos do Código Penal.

        Quanto à medida da pena, é verdade que os recorrentes são delinquentes primários, demonstraram arrependimento profundo e pagaram juntos toda a indemnização devida ao ofendido, tendo este já os perdoado. Mas, é de realçar que não eram ligeiras as comprovadas lesões sofridas pelo ofendido, as quais só se recuperaram passados trinta dias. Além disso, o facto de os recorrentes terem praticado os actos lesivos sob influência do álcool não afasta o dolo intenso na sua conduta. Ademais, dado que eles agrediram o taxista em conjugação de esforços, a ilicitude dos factos mostra-se mais elevada do que a da ofensa praticada por uma só pessoa. Ainda por cima, os recorrentes só pararam a agressão quando chegaram ao local veículos da polícia. Nestes termos, a determinação da medida da pena deve fazer-se dentro da moldura penal normal do respectivo crime. E a fim de prevenir a prática por outrem de factos semelhantes àqueles em causa que integraram um crime de ofensa qualificada à integridade física, não se pode, de modo algum, substituir a pena de prisão aplicada pela pena de multa. Apesar de as penas de prisão impostas ao seis recorrentes serem todas inferiores a três anos, não deve ser decretada a suspensão da execução das penas, uma vez que a simples censura do facto e ameaça de prisão não conseguem impedir outras pessoas de praticar factos semelhantes, isto é, de cometer o crime de ofensa qualificada à integridade física em espancando, em grupo, outra pessoa por motivo fútil.

        O Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso interposto por A, B, C, D, E e F, convolando, oficiosamente, a condenação dos seis recorrentes pelo Tribunal a quo pela prática de um crime de ofensa simples à integridade física para a condenação dos mesmos pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa qualificada à integridade física previsto no art.º 137.º, n.º 1, o art.º 140.º, e o art.º 129.º, n.º 2, al. c), todos do Código Penal, na pena de oito meses de prisão para A, D e E, nove meses de prisão para C, e sete meses de prisão para B e F. Contudo, atento o princípio da proibição da reformatio in pejus, o Tribunal ad quem considerou a pena de seis meses de prisão fixada pelo Tribunal a quo a cada um dos recorrentes como a pena a aplicar aos mesmos pela prática do referido crime de ofensa qualificada à integridade física, mantendo, assim, a decisão de condenação a prisão efectiva proferida pelo Tribunal a quo contra os seis recorrentes.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 92/2013.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

26/03/2014