Situação Geral dos Tribunais

A posse sem justa causa não contende com o direito de propriedade

       Num processo de execução conhecido pelo Tribunal Judicial de Base, a recorrida deduziu embargos de terceiro contra a recorrente, solicitando ao tribunal que reconhecesse a posse do imóvel que foi penhorado nesta causa, repristinasse a posse do dito imóvel, bem como ordenasse o levantamento da penhora e cancelamento do registo da penhora. Após o tribunal ter ordenado a repristinação temporária do direito de posse da embargante sobre o imóvel em apreço, a embargada deduziu logo a seguinte contestação/reconvenção: a) deve julgar-se improcedentes os embargos por serem extemporâneos; ou se não entender assim, b) como reconvenção, requer-se ao tribunal que seja declarado nulo o contrato-promessa juntado aos autos como anexo I, pela sua falsidade, e, em consequência, julgue improcedentes os embargos; ou, se não entender assim, c) julga-se improcedentes os embargos por não serem provados; ou, se não entender assim, d) como reconvenção, requer-se ao tribunal que reconheça que a executada seja proprietária do imóvel penhorado e, em consequência, julgue improcedentes os embargos.

       Por sentença de 26 de Outubro de 2011, o TJB julgou improcedentes os embargos e parcialmente procedente a reconvenção, e em consequência: 1. Absolve a embargada do pedido da declaração de posse, intentado pela embargante; 2. Absolve a embargante do pedido da nulidade do contrato-promessa, intentado pela embargada; 3. Absolve a embargada dos restantes pedidos intentados pela embargante; 4. Reconhece que a executada A é a proprietária da aludida fracção autónoma.

       Inconformada com a decisão, a embargante recorreu para Tribunal de Segunda Instância que “concede provimento ao recurso e anula a sentença recorrida, bem como apenas julga procedente a parte da reconvenção em que se solicita que seja reconhecida a executada como proprietária da respectiva fracção autónoma, porém, julga improcedente a parte da reconvenção em que se pede que seja negado provimento aos embargos, e, ao contrário, concede provimento aos embargos, repristinando o direito de posse da embargante sobre o imóvel em apreço, assim como ordenando o levantamento da penhora e anulação do registo da penhora”.

       Inconformada com o acórdão, a embargada recorreu para Tribunal de Última Instância, considerando que se tratava neste recurso duas questões controversas: em primeiro lugar, se o contrato-promessa de compra e venda de coisa que foi entregue à promitente-compradora/embargante/recorrida, é suficiente ou não para a transferência da “posse efectiva”; e, em segundo lugar, qual o nível de influência causado pela penhora ao direito de retenção (não invocado) da promitente-compradora/embargante/recorrida sobre a fracção cujo direito de propriedade é pertencente à promitente-vendedora, ora executada da causa.

       No entendimento do TUI: primeiramente, quanto à posse, é de salientar que esta questão já foi tratada na sentença transitada em julgado. Na sentença de primeira instância, o juiz determinou que a embargante/recorrida gozava da posse do direito de propriedade sobre o imóvel em causa, sendo esta posse violada pela penhora, no entanto, a reconvenção foi julgada procedente e a executada foi reconhecida como proprietária da fracção, pelo que foi negado provimento aos embargos. Todavia, na contra-alegação, a embargada não questionou a parte da sentença em que admitiu que a embargante gozava da posse do imóvel, a par disso, na sentença de primeira instância não se verificava questão sobre a parte respeitante a gozo da posse do direito de propriedade sobre o imóvel em causa pela embargante. Assim sendo, neste recurso, não vamos apreciar a questão supramencionada. Em segundo lugar, quanto ao direito de retenção, é necessário reafirmar que os embargos de terceiro foram deduzidos pela recorrida/promitente-compradora da fracção autónoma, por quais foi solicitado o levantamento da penhora, uma vez que ela gozava, a título individual, da posse do direito de propriedade sobre a aludida fracção. A embargante não invocou o direito de retenção. O direito de retenção surge com o incumprimento por parte da promitente-vendedora. Porém, in casu, tanto na dedução dos embargos como depois disso, nunca foi levantada a questão sobre o incumprimento como pressuposto legal do direito de retenção. Por seu turno, nos autos não há qualquer facto que mostre, minimamente, o incumprimento do contrato-promessa pela promitente-vendedora. O acórdão recorrido proferiu decisão respeitante à questão de a embargante gozar ou não do direito de retenção sobre a fracção em apreço, entretanto, isso não é permissível, visto que a única razão ou causa dos embargos é a posse do imóvel, mas não o direito de retenção usufruído pela embargante, como promitente-compradora, sobre a coisa já entregue.

       Enfim, ainda resta uma questão, isto é, se o acórdão recorrido violou ou não o disposto no n.º 2 do art.º 298º do Código de Processo Civil, segundo o qual, quando os embargos apenas se fundem na invocação da posse, pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida. O TUI considerou que o acórdão recorrido tinha aplicado erradamente a disposição supracitada, já que a base teórica da respectiva convicção do acórdão defendia que o direito de retenção não seria afectado pela execução de venda. Contudo, por um lado, as partes não invocaram o direito de retenção e, por outro lado, para esta disposição, o que importa é quem é o possuidor, mas não quem é o titular do direito (trata-se neste caso do direito de retenção). Quando os embargos apenas se fundem na invocação da posse do direito de propriedade (tal como a presente causa), o reconhecimento do direito de propriedade irá causar a improcedência dos embargos, a não ser que a posse seja invocada com justa causa pela embargante. Só o titular do direito real pleno ou do direito real limitado é que tem justa causa para posse de coisa. Na causa em julgamento, a embargante/recorrida não só não exerceu a posse com justa causa sobre o imóvel, mas também não invocou o seu direito de retenção, por consequência, com o reconhecimento de que o direito de propriedade sobre o imóvel pertence à executada, deve julgar-se improcedentes os embargos. É certo que a embargante não invocou, nomeadamente na réplica, a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel por usucapião, pelo que a posse sem justa causa gozada pela mesma não contende com o direito de propriedade assente.

       Acordam neste colectivo em conceder provimento ao recurso, anulando o acórdão recorrido e negando provimento aos embargos.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 4/2013 do Tribunal de Última Instância.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

11/04/2014