Situação Geral dos Tribunais

Advogado estagiário obteve decisão de procedência do TSI na impugnação da recusa de emissão de certidão pela Conservatória

        Em 2010, um advogado estagiário (o ora recorrente) requereu a emissão de uma certidão à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis (a entidade recorrida), da qual constasse a informação de que A se encontrava, ou não, registado naquela Conservatória como comerciante, a fim de adoptar meios processuais adequados na acção de liquidação de patrimónios por ele intentada contra A, já que a escolha do tipo de acção a instaurar, entre a acção de falência e a acção de insolvência, depende de o sujeito da informação ser ou não comerciante. Embora num pedido semelhante anteriormente formulado pelo recorrente, a Conservatória tenha passado certidão com o teor requerido, o presente pedido foi indeferido pelo Sr. Conservador, tendo este recusado a emissão de certidão, com fundamento na reserva da intimidade da vida privada e na protecção dos dados pessoais. O recorrente apresentou reclamação ao Sr. Conservador, a qual, porém, foi indeferida. Depois disso, o recorrente interpôs recurso judicial para o Tribunal Judicial de Base, que, todavia, negou provimento ao mesmo recurso por falta de observância do art.º 71.º, n.º 2 do Código do Registo Comercial (adiante, CRC), isto é, do requerimento do recorrente não consta o número de ordem atribuído a A, que já se registou como empresário. Não se conformando com o assim decidido, o recorrente recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.

        Conforme indicou o Tribunal de Segunda Instância, a certidão pretendida pelo recorrente não envolve uma determinada situação pessoal ou patrimonial que deva ser mantida em sigilo ou protegida, bem pelo contrário, os dados requeridos revestem carácter público. Por esse motivo, deve a entidade recorrida emitir este tipo de certidão a quem dele necessitar. Em sintonia com o art.º 1.º do CRC, “o registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos empresários e das empresas comerciais, tendo por finalidade a segurança do comércio jurídico”. Daí se vê que a finalidade do Registo Comercial consiste em assegurar a “certeza jurídica”, e não garantir a “confidencialidade do registo” como entendeu a entidade recorrida. Ainda por cima, o recorrente, sendo um profissional forense, ao requerer uma certidão para apurar se A era comerciante, pretendia apenas poder escolher meios processuais adequados. No entanto, a entidade recorrida recusou a passagem dessa certidão em nome de valores como os da reserva da intimidade da vida privada e protecção de dados pessoais, decisão essa que se mostra irrazoável por contrariar manifestamente o sentido e a letra da lei, além de inutilizar o sistema de Registo.

        Para além disso, o Tribunal de Segunda Instância não acolheu o fundamento invocado pelo Tribunal Judicial de Base, entendendo que, em princípio, era impossível que o recorrente soubesse o número de ordem de A no registo, visto que se o soubesse, seria porque sabia que A era comerciante e já não precisaria dessa certidão. Na verdade, o art.º 71.º, n.º 2 do CRC define os requisitos gerais a que um pedido de certidão deve obedecer, de modo a facilitar o processo de pesquisa das informações requeridas por parte da Conservatória. Entretanto, o art.º 73.º, n.º 4 do mesmo diploma legal estatui que a certidão só pode ser recusada quando o pedido não contiver os elementos necessários à pesquisa. Na opinião do Tribunal de Segunda Instância, o número de ordem do registo não constitui uma condição sine qua non da possibilidade de pesquisa, daí que não se possa recusar a passagem da certidão com base na falta do número de ordem do registo. Ademais, o Tribunal de Segunda Instância chamou atenção para o facto de, com um pedido semelhante anterior respeitante a outro indivíduo, o recorrente ter obtido da Conservatória a certidão requerida, muito embora tenha fornecido apenas o nome do sujeito da informação. Assim se constata que a aludida decisão de indeferimento não tem fundamento jurídico.

        Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida e ordenando a emissão da certidão requerida pelo recorrente.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 808/2011.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

23/04/2014