Situação Geral dos Tribunais

TSI negou provimento ao recurso do administrador da falência que refutou o pagamento das rendas devidas com o montante caucionado

        Nos termos do contrato de arrendamento celebrado entre a Sociedade Limitada A (arrendadora) e a Viva Macau — Sociedade de Aviação, Limitada (arrendatária), esta deve prestar, a título de caução, o depósito de duas rendas, no montante total de HKD$ 284.864,00, como garantia do cumprimento do contrato. A arrendadora alegou que a arrendatária, a partir de 1 de Setembro de 2009, tinha deixado de pagar as rendas vencidas e outros quantitativos relativos às despesas de condomínio e ao consumo de água. Pediu, por isso, ao Tribunal Judicial de Base que fosse declarada a resolução do referido contrato de arrendamento, para além da condenação da arrendatária a desocupar o locado, a pagar as rendas vencidas e vincendas até efectiva entrega do locado. Depois disso, veio a arrendadora intentar uma acção de despejo no Tribunal Judicial de Base por falta de pagamento das rendas em dívida. Por sua vez, a arrendatária, na contestação, pretendeu compensar parte das rendas devidas com o montante por si pago a título de caução (equivalente ao valor de duas rendas). Em 22 de Setembro de 2010, o Tribunal Judicial de Base declarou a resolução do aludido contrato de arrendamento e condenou a Viva Macau — Sociedade de Aviação, Limitada a pagar à Sociedade Limitada A a quantia de HKD$427.296,00, a título de rendas vencidas e não pagas relativas aos meses de Dezembro de 2009 a Abril de 2010, depois de deduzida a caução supramencionada.

        Tendo sido declarada a falência da arrendatária em 17 de Setembro de 2010, o seu administrador da falência (recorrente) não se conformou com a sentença acima referida, por entender que, a abater o valor dessa caução ao montante das rendas em dívida, seriam prejudicados os outros credores da massa falida, alegando que não se podia compensar parcialmente a dívida de rendas com o valor da caução. Com base nisso, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, solicitando que fosse revogada a sentença em causa.

        Conforme entendeu o Tribunal de Segunda Instância, a questão controvertida reside em saber se está correcto o abatimento operado pelo Tribunal a quo ao montante das rendas devidas, do valor da caução adiantada pela arrendatária aquando da celebração do contrato de arrendamento, depois de esta, entretanto, ter sido declarada falida. Tendo a arrendatária invocado, na sua contestação apresentada em 10 de Junho de 2010, a compensação parcial das rendas em dívida com a caução prestada, manifestou o Tribunal de Segunda Instância que a extinção do crédito por meio da compensação pressupõe a verificação dos diversos requisitos estipulados no art.º 838.º do Código Civil, que exige, antes de mais, que as duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor,situação que, desde logo, não se observa no presente caso, visto que, até à apresentação à falência, a arrendatária devia à outra parte o equivalente a cinco meses de rendas, pelo que, no entender do Tribunal de Segunda Instância, enquanto ainda não terminara o prazo do contrato de arrendamento, nem se declarara a resolução do mesmo, a arrendatária se encontrava manifestamente em incumprimento contratual por não ter cumprido as obrigações resultantes do dito contrato de arrendamento, nem ter entregado à senhoria o bem arrendado. Outrossim, o depósito de caução se configura apenas como uma garantia especial das obrigações, ou seja, o inquilino só se torna credor do senhorio quando for integralmente cumprida a obrigação de pagar as rendas, donde resulta que, in casu, a arrendatária, obviamente, não é credor da arrendadora. Nos termos acima expostos, e dado o não preenchimento dos demais requisitos legais, o crédito da arrendadora não se pode extinguir por via da compensação mútua.

        Ademais, o Tribunal de Segunda Instância não acolheu a tese da arrendadora de que era preferencial o seu crédito, nem concordou que prejudicasse os outros credores da massa falida a dedução do valor caucionado ao montante das rendas devidas, porquanto, na resolução do contrato de arrendamento, só se operou o cálculo das rendas devidas para efeitos de apuramento do montante devido pela massa falida, não se tratando de exercer um qualquer direito de crédito privilegiado.

        Por último, o Tribunal de Segunda Instância considerou correcta a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que operou a simples dedução da caução prestada ao montante das rendas em dívida, sem ter qualificado a dedução como compensação, uma vez que isso não violou o disposto nos art.ºs 1101.º e 1104.º do Código de Processo Civil, segundo os quais a partir da data da sentença da declaração da falência, os credores perdem a faculdade de compensar as suas dívidas com quaisquer créditos que tenham sobre o falido, nada impedindo, todavia, que o senhorio deduza o montante caucionado para satisfazer o seu crédito. Acresce que as partes previram no contrato de arrendamento que a respectiva caução podia servir para fazer face à falta ou atraso de pagamento das rendas. Portanto, o Tribunal de Segunda Instância entendeu ser legítimo o abatimento, em caso de resolução do arrendamento, ao montante das rendas em dívida, do montante do depósito adiantado pela arrendatária aquando da celebração do contrato. Como a arrendatária continuou a ocupar o locado após a declaração da falência, as aludidas despesas com rendas, do ponto de vista do mesmo Tribunal, constituem uma obrigaçãoda própria massa falida, daí que deva o administrador da falência assumir a quantia de HKD$427.296,00, a título de rendas devidas, depois de deduzida a caução prestada.

        Pelo exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 500/2011.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

29/04/2014