Situação Geral dos Tribunais

O facto de se encontrar aposentado não constitui obstáculo jurídico à aplicação da pena de demissão

      O recorrente, antigo inspector de 1ª classe da Polícia Judiciária, em virtude de infracção disciplinar grave, foi sancionado disciplinarmente, por despacho do Secretário para a Segurança de 12 de Maio de 2009, com a pena de aposentação compulsiva num procedimento disciplinar.

      A 9 de Abril de 2009, foi instaurado contra o recorrente um novo procedimento disciplinar pelo facto de o mesmo, durante o exercício de funções, ter divulgado na Internet diversos textos de conteúdo falso e inventado, no intuito de difamar e caluniar o Director da Polícia Judiciária, B, o Subdirector C e o Chefe de Divisão D. (Foi por isso que o Tribunal de Segunda Instância, por sentença final de 31 de Maio de 2012, condenou o recorrente, pela prática de vários crimes de publicidade e calúnia qualificados, numa pena única de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, impondo-lhe ainda que publicasse, no prazo de 10 dias, em seu próprio nome e à sua própria custa, um pedido público de desculpas dirigido aos ofendidos, nos jornais diários em língua chinesa e em língua portuguesa de maior circulação local.) Concluído esse procedimento disciplinar, o Secretário para a Segurança, por despacho de 12 de Outubro de 2012, aplicou ao recorrente a pena de demissão.

      Não se conformando, o recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo nos termos seguintes: O acto recorrido, ao concluir que as respectivas infracções disciplinares inviabilizavam a manutenção da situação jurídico-funcional (o recorrente revelou indignidade e falta de idoneidade moral para o exercício das funções), incorreu no vício de erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que, no momento em que o Secretário para a Segurança determinou a demissão, o recorrente já se tinha aposentado, sendo impossível ocorrer a “inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional”. Outrossim, dado que os aludidos factos ilícitos tiveram lugar na sequência dos conflitos entre o recorrente e a direcção da Polícia Judiciária, e que, além de tudo, o recorrente já publicou um anúncio nos jornais para pedir desculpa pela sua conduta, não estavam preenchidos os requisitos legais exigidos pelo art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante, designado por ETAPM) para a aplicação da pena de demissão, quer relativamente à ilicitude do facto, quer no que respeita ao grau de culpa. Daí o acto recorrido ter violado o princípio da proporcionalidade, além de enfermar do vício de erro na aplicação da lei.

      Conforme entendeu o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância, a propósito da alegada existência de erro sobre os pressupostos de facto, o facto de o recorrente se encontrar aposentado quando se determinou a sua demissão não impedia que a entidade recorrida procedesse à qualificação das infracções disciplinares respectivas para encontrar sanções adequadas. O art.º 280.º, n.º 2 do ETAPM dispõe expressamente: A cessação de funções e a mudança de situação não impedem a punição por infracções cometidas no exercício dessas funções.” Por outro lado, consagra-se no art.º 306.º, n.º 3 do mesmo diploma que para os funcionários e agentes aposentados, “a pena de demissão determina a suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos”. Daqui resultou que a situação jurídica de o recorrente se encontrar já aposentado não era obstáculo jurídico à imposição da pena de demissão pela entidade recorrida.

      Mais manifestou o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância que, por mais conflitos que o recorrente tivesse com a direcção da Polícia Judiciária, devia resolvê-los por meios lícitos. Sendo Macau uma Região de Direito, e o recorrente um agente de autoridade, devia este cumprir e respeitar a lei com maior rigor, em vez de divulgar, de má fé, informações falseadas ao público através da Internet, com o propósito de ofender seus superiores hierárquicos e colegas, prejudicando a reputação destes. A conduta do recorrente, além de em nada ajudar a resolver os conflitos que tinha com a direcção, constituía infracção criminal. In casu, era indubitável as infracções praticadas pelo recorrente serem graves, considerando, em particular, que o recorrente ainda era um agente da Polícia Judiciária inserido na categoria de inspector de 1ª classe aquando da prática dos factos. Dest´arte, a entidade recorrida decidiu bem em aplicando ao recorrente a pena de demissão com o fundamento de os factos em causa terem inviabilizado a manutenção da situação jurídico-funcional (o recorrente revelou indignidade e falta de idoneidade moral para o exercício das funções), decisão essa que não padecia dos vícios invocados pelo recorrente, devendo, portanto, ser mantida.

      Acordaram no Colectivo do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao presente recurso contencioso e, consequentemente, manter o acto recorrido.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 955/2012.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

23/05/2014