Situação Geral dos Tribunais

Infracções criminais registadas no exterior de Macau não deixam de ser antecedentes criminais susceptíveis de fundamentar o indeferimento do pedido de autorização de residência

        O recorrente A, residente de Hong Kong, contraiu casamento civil com B, residente de Macau, no dia 28 de Setembro de 2011. Fruto do seu casamento, nasceu um filho em 18 de Fevereiro de 2012. A criou em Macau uma loja de aquário. Em 20 de Outubro de 2011, A apresentou pedido de autorização de residência ao Chefe do Executivo, com fundamento na junção conjugal, pedido esse que foi indeferido pelo Secretário para a Segurança, por despacho de 25 de Abril de 2012, uma vez que, no período entre 1995 e 1999, se registaram várias infracções criminais cometidas por A em Hong Kong, designadamente a violação do direito de autor, ofensa corporal, venda de medicamentos perigosos e conduta indecente, na sequência das quais lhe foram impostas as medidas de acompanhamento educativo, internamento no Boy´s Home (Instituto de Menores) e internamento no Training Centre (estabelecimento de correcção), entre outras. A, inconformado o referido despacho, interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.

        Conforme alegou o recorrente, o acto recorrido violou direitos fundamentais dele e do seu agregado familiar e infringiu as disposições concernentes do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ex vi o art.º 40.º da Lei Básica, a saber: o art.º 12.º, n.º 1, nos termos do qual o recorrente tem o direito de circular livremente e de aí escolher livremente a sua residência; bem como o art.º 23.º, n.º 1, segundo o qual a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção da sociedade e do Estado. O recorrente ainda entendeu que o art.º 9.º, n.º 2 al. 1) da Lei n.º 4/2003 se referia apenas a uma das condições a ter em conta, não estabelecendo um requisito de preenchimento obrigatório. De acordo com o mesmo, apesar de ter antecedentes criminais, ele nunca violou qualquer lei de Macau, pois só violou a ordem jurídica de Hong Kong há mais de dez anos e, em consequência, foi condenado na sujeição ao acompanhamento educativo e no internamento no Training Centre (estabelecimento de correcção). Com base nisso, afirmou o recorrente que a entidade recorrida tinha incorrido em erro na interpretação e aplicação da lei, além de ter desrespeitado o princípio da proporcionalidade, solicitando, assim, que se declarasse o despacho recorrido nulo ou anulável por enfermar dos diversos vícios supracitados, e que, por conseguinte, se revogasse a decisão que indeferiu o seu pedido de autorização de residência.

        Na óptica do Tribunal de Segunda Instância, em princípio, seria maravilhoso poder-se escolher livremente a residência e viver com os familiares. Mas ao colocar isso em prática, cada Estado ou região, atendendo às suas próprias condições sociais, económicas e políticas, estabelecerá necessariamente alguns pressupostos, visto a segurança e estabilidade nacionais ou regionais serem factores que a política de imigração e fixação de residência nunca perde de vista. Em caso de conflito entre os diferentes interesses, prevalece, sem dúvida, o interesse do Estado ou da região. Na Lei n.º 4/2003, o legislador já indicou expressamente quais os elementos que a autoridade administrativa competente tem que levar em conta na apreciação dos pedidos de fixação de residência em Macau. Dispõe-se na lei explicitamente que no caso de não-residentes pretenderem obter a autorização de residência no Território, é obrigatório o Chefe do Executivo ou Secretário delegado proceder à apreciação dos seus pedidos face às circunstâncias de cada caso concreto, inclusive os antecedentes criminais dos requerentes. De facto, a lei confere à Administração poder discricionário para ela o exercer em conformidade com a ratio legis, sendo contenciosamente insindicável o acto praticado ao abrigo desse poder, a não ser que se verifique erro manifesto ou a total desrazoabilidade. No presente processo, dos factos provados resulta que, nos anos de 1995 a 1999, o recorrente, pela prática de várias infracções criminais em Hong Kong, foi condenado na sujeição ao acompanhamento educativo e no internamento no Boy´s Home (Instituto de Menores) e Training Centre (estabelecimento de correcção), pelo que, mesmo que lhe estejam verificados todos os outros requisitos exigidos pelo art.º 9.º do aludido diploma legal, os respectivos registos criminais não deixam de ser antecedentes criminais, que servirão como um factor decisivo na apreciação e aprovação pela Administração do seu pedido de autorização de residência. Portanto, não se considera que exista o vício de errada interpretação da lei no despacho emanado do Secretário para a Segurança. In casu, pese embora o resultado produzido pelo despacho recorrido não tenha satisfeito o interesse individual do recorrente, não há dúvida que o acto administrativo ora posto em crise foi praticado em vista da prossecução do interesse público, nomeadamente em ordem a assegurar a segurança pública e a estabilidade social, perante as quais deve ceder o interesse individual do recorrente. Assim sendo, não se vislumbra violação do princípio da proporcionalidade por parte do acto recorrido.

        Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso vertente.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 570/2012.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

28/5/2014