Situação Geral dos Tribunais

Por carência de fundamentação, anulam-se as decisões administrativas que fixam a área para reunião

      Chao Teng Hei, presidente do conselho da Associação “Open Macau Society”, e Lee Kin Yun, representante da Associação de Activismo para a Democracia, apresentaram, respectivamente, avisos de reunião ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), comunicando que iam realizar reuniões no Largo de Senado e nas Ruínas de São Paulo no dia 4 de Junho. O Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) proferiu despachos, determinando que as reuniões se realizassem numa faixa do Largo do Senado fixada pela Polícia, com condição de não interferir nem perturbar as actividades realizadas por outras associações no local. Inconformadas, de tais despachos as duas associações recorreram respectivamente para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando que a imposição de restrição espacial à reunião não está abrangida na competência conferida pelo art.º 8.º da Lei n.º 2/93/M ao Comandante do CPSP. Os recorrentes imputaram aos actos recorridos a violação dos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade.

      O Tribunal Colectivo do TUI entende: O artigo 27.º da Lei Básica da RAEM confere aos residentes de Macau o direito de reunião, de desfile e de manifestação. Tal direito é também garantido pela Lei nº 2/93/M e que apenas pode ser restringido nos casos previstos na lei. Nestes dois recursos, o comandante do CPSP limitou-se a fixar uma faixa, ainda dentro do Largo do Senado, para que as associações efectuem as reuniões, com condição de não interferir nem perturbar outras actividades a realizar no local por outras associações. Será que a decisão do comandante violou a lei?

      O Tribunal Colectivo do TUI entende: A Lei n.º 2/93/M nada diz expressamente a este respeito. Há que ponderar que a Lei foi legislada em 1993 e já tem 21 anos, só houve pequena alteração neste período. A realidade social e política de Macau mudou muito neste lapso de tempo. É consabido que a população aumentou, o número de turistas que visitam Macau cresceu exponencialmente. A realidade política é, também, completamente diversa de 1993. E a Lei continua ser a mesma. É certo, por outro lado, que a lei não pode prever tudo. É sabido que ao CPSP incumbem atribuições de manutenção da ordem e tranquilidade públicas, bem como da segurança pública.

      Com base no artigo 11.º da Lei n.º 2/93/M, a Polícia pode interromper as reuniões ou manifestações quando existe circunstâncias prevista na lei , tais como os manifestantes se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas. Cabe também ao CPSP, em sede de manifestações, zelar pelo bom ordenamento do trânsito de pessoas nas vias públicas (artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 2/93/M). Assim sendo, segundo esta lógica e com base neste conjunto de normas, afigura-se-nos poder extrair um princípio segundo o qual a Polícia tem poderes para fixar uma área para reunião ou manifestação, dentro do local mais vasto pretendido pelos respectivos promotores, com fundamento em considerações de segurança pública e de manutenção da ordem e tranquilidade pública. Referimos no Acórdão de 29 de Abril de 2010, no Processo n.º 16/2010, que os órgãos policiais têm poderes para organizar espacialmente várias actividades de reunião ou manifestação previstas para o mesmo local, quando várias destas realizações estão programadas para o mesmo lugar. Concluímos, assim, que os despachos recorridos não violaram a lei ao fixar uma faixa do Largo do Senado para reuniões dos grupos dos autos. Nesta parte, devem ser reconhecidos poderes discricionários à Polícia, não parecendo curial que o Tribunal sindique a escolha da Polícia, dentro da área do Largo do Senado pretendido pelos promotores, pois não se vislumbra erro manifesto ou grosseiro.

      É certo que os despachos recorridos não fundamentam minimamente a escolha daquele local e deviam fazê-lo, pelas seguintes razões: - Porque os promotores pretendiam a utilização de todo o Largo do Senado para as reuniões e os despachos acantonam os grupos numa pequena parte deste Largo, pelo que há uma restrição relativamente aos pedidos; - Porque está em causa a utilização de poderes discricionários e é nesta área que a fundamentação dos actos administrativos é mais necessária. Os recorrentes embora sem qualificar juridicamente a questão como falta de fundamentação, argúem o vício, na medida em que dizem que não se percebe qual a intenção da Polícia ao escolher aquela faixa concreta infundadamente. Concluímos que os despachos recorridos não contêm fundamentação suficiente, o que dá causa a anulação dos actos. Podem assim, os grupos promotores realizar as reuniões no Largo do Senado, sem se limitarem à faixa fixada pelos actos recorridos, mas sem prejuízo de outras actividades a realizar no local já programadas e autorizadas e sem prejuízo igualmente do trânsito das pessoas.

      O Tribunal Colectivo concedeu provimento aos dois recursos, anulou os dois actos recorridos, permitindo que os dois recorrentes realizassem reuniões no Largo do Senado, sem prejuízo de outras actividades a realizar no local já programadas e autorizadas e sem prejuízo igualmente do trânsito das pessoas.

      Cfr. Acórdãos do Tribunal de Última Instância nos processos nºs 33/2014 e 34/2014.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

04/06/2014