Situação Geral dos Tribunais

O Tribunal de Segunda Instância ampliou oficiosamente a matéria de facto e procedeu ao reenvio do processo para novo julgamento

       A A. intentou uma acção declarativa ordinária no Tribunal Judicial de Base contra o B., na qual alegou a Autora que, ao passar pela parte exterior da entrada do estabelecimento de comidas gerido pelo Réu, o último esticou subitamente um toldo cortina plástico e deixou embater o tubo metálico na cabeça dela, o que lhe provocou lesões, pelo que a Autora pediu a condenação do Réu no pagamento da indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais. Por seu turno, o Réu apontou que “a Autora, ao caminhar, não deu atenção à situação do local em que estava, não tendo reparado, negligentemente, o aludido toldo cortina plástico, por conseguinte, bateu no dito toldo cortina e deu lugar ao presente acidente”.

       Após a apreciação do caso, o Tribunal Judicial de Base entendeu que: conforme os factos assentes, a Autora, ao passar pela parte exterior da entrada do estabelecimento de comidas gerido pelo Réu, surgiu repentinamente o acidente que lhe provocou lesões na cabeça, no entanto, enfim, ainda não se provou a causa do acidente, ou seja, se foi o Réu que lesou a Autora por ter esticado subitamente o toldo cortina plástico e deixado embater o tubo metálico na cabeça dela ou se foi a própria Autora que se feriu por ter batido descuidadamente no tubo metálico. Não se apurou a existência do nexo de causalidade necessário entre a conduta do Réu e os danos da Autora, não se verificando o completo preenchimento dos requisitos legais da indemnização cível, pelo que, nos termos da lei, se absolveu o Réu do pedido apresentado pela Autora.

       Inconformada com a referida sentença, a Autora recorreu para o Tribunal de Segunda Instância com os seguintes fundamentos: à luz do relatório do Corpo de Polícia de Segurança Pública, do auto de inquirição e dos depoimentos da Autora e do Réu, averiguou-se que a Autora, ao passar pela parte exterior da entrada do estabelecimento de comidas em apreço, foi lesada por um tubo metálico do toldo cortina plástico verde do Réu. Na audiência, a testemunha D (filha do Réu) referiu os seguintes factos relevantes: o toldo cortina plástico fixado no exterior da loja tem cerca de 160cm de altura; é marcado com saco plástico; e vi todos os dias na loja que as pessoas baixavam a cabeça para passarem por baixo daquele toldo cortina. Assim sendo, a Autora considerou que embora o MM.º Juiz não admitisse a versão por ela referenciada na petição inicial, deveria dar como provados os seguintes factos: “o toldo cortina plástico fixado no exterior da loja tem cerca de 160cm de altura, nele foi posto um saco plástico vermelho, visto que o Réu previu que o toldo cortina, com essa altura, poderia ser colidido contra as pessoas que passassem lá e, de facto, as pessoas precisam de baixar a cabeça para passarem por baixo do toldo cortina” e “o toldo cortina plástico e o respectivo tubo metálico têm apenas 160cm de altura, razão pela qual a Autora, ao passar pela parte exterior da entrada do estabelecimento de comidas, bateu no tubo metálico do aludido toldo cortina, causando-lhe lesões”, a fim de apurar o nexo de causalidade existente entre as lesões sofridas pela Autora e a conduta do Réu. Dado que “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, seria nula a sentença em apreço.

       No entendimento do Tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância: a parte dos depoimentos de testemunhas referenciada no recurso é insuficiente para levar o presente Tribunal a revogar a apreciação dos factos efectuada, neste âmbito, pelo Tribunal a quo, pelo que é parcialmente improcedente o recurso interposto pela Autora em relação à impugnação da matéria de facto. Todavia, alegou a Autora na petição inicial que o toldo cortina plástico verde da loja do Réu era demasiado baixo quando estivesse esticado, de modo a colidir contra a Autora que tem apenas 1,6m de altura. Porém, este facto não foi enumerado pelo tribunal de primeira instância na matéria de factum probandum do despacho saneador para ser averiguado. Tendo em conta que o tribunal de primeira instância deu como provado o facto de que, na ocorrência do acidente, a Autora, ao passar pela parte exterior da entrada da loja do Réu, bateu a cabeça contra um objecto contundente, o que lhe provocou contusões no tecido mole da cabeça, pelo que este Tribunal considera que o âmbito de factos apreciados pelo Tribunal a quo não é suficiente para a descoberta da verdade.

       Nos termos do n.º 4 do art.º 629º do Código de Processo Civil, pode o Tribunal de Segunda Instância ampliar oficiosamente a matéria de facto quando repute deficiente a matéria de facto apreciada pelo Tribunal a quo e considere indispensável a ampliação desta para a descoberta da verdade.

       Conforme o art.º 5º e segunda parte do art.º 567º do Código de Processo Civil, o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes em caso de factos essenciais. In casu, alegou a Autora na petição inicial que o toldo cortina plástico colocado pelo Réu na entrada da sua loja, destinado à protecção do Sol, era tão baixo que colidiu contra a Autora que tem apenas 1,6m de altura, e que impediu a circulação de peões quando estivesse esticado. Isto é um facto essencial que serve para ajuizar se as lesões sofridas pela Autora, por colisão entre a sua cabeça e o toldo cortina plástico, são ou não provocadas pelo Réu com a conduta de colocação do toldo cortina plástico na entrada da sua loja. Deste modo, deve aderir-se, nos termos das normas supracitadas, ao factum probandum o respectivo facto para ser apreciado pelo Tribunal a quo.

       Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto pela Autora, contudo, aditou oficiosamente os seguintes factos:

       – A Autora tem 1,6m de altura;

       – O Réu colocou na entrada da sua loja um toldo cortina plástico, com a altura não superior a 1,6m, para proteger do Sol; e

       – O toldo cortina plástico impede a circulação de peões quando estiver esticado.

       Mais ordenou o reenvio do processo para apreciação na primeira instância dos aludidos três factos aditados, decidindo sobre a indemnização por dano moral invocada pela Autora, consoante o resultado do julgamento e em conjugação com os demais factos assentes.

       Cfr. o Acórdão do Processo n.º 577/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

24/06/2014