Situação Geral dos Tribunais

Cabe ao Ministério Público a defesa do interesse punitivo e o assistente não tem legitimidade para impugnar a medida da pena

      Na madrugada do dia 28 de Fevereiro de 2007, o ofendido, depois de se ter divertido com seus amigos num bar sito no Bairro Tamagnini Barbosa, Macau, saiu sozinho do bar. Quando o ofendido chegou ao cruzamento da Rua de Lei Pou Ch’ôn com a Avenida do General Castelo Branco, foi cercado por um grupo de pessoas encabeçado pelo arguido. O arguido desferiu socos e pontapés ao corpo do ofendido, causando-lhe diversas fracturas ósseas, que necessitaram de vários meses para se recuperarem.

      Por acórdão do Tribunal Judicial de Base de 10 de Outubro de 2012, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física p. e p. pelo art.º 138.º, al. d) do Código Penal de Macau, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos. No âmbito da indemnização civil, o arguido foi ainda condenado a pagar ao assistente o montante de MOP$161,657.70, acrescido de juros legais desde a data da decisão até ao efectivo e integral pagamento.

      Inconformado com a decisão, recorreu o assistente quanto à medida da pena e ao montante da indemnização para o Tribunal de Segunda Instância, que julgou parcialmente procedente o recurso, passando a condenar o arguido na pena de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva e no pagamento de indemnização no montante de MOP$266,400.00, para além da quantia já atribuída pelo Tribunal Judicial de Base.

      Não se conformando com a decisão proferida na segunda instância, o arguido veio dela recorrer para o Tribunal de Última Instância, alegando que o assistente não tinha legitimidade ou interesse em agir no recurso quanto à medida da pena, e que o acórdão do Tribunal de Segunda Instância padecia dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação, de erro notório na apreciação da prova e de severidade excessiva da pena.

      O Tribunal de Última Instância procedeu ao julgamento deste caso, manifestando o seguinte: o assistente no processo penal é uma parte acusadora privada, que intervém como colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo. Em matéria de recursos, é praticamente pacífico que o assistente pode recorrer da decisão absolutória do arguido, da decisão de não-pronúncia e da decisão que condenou o arguido por crime diferente do que foi objecto da sua acusação, uma vez que estão em causa “decisões que o afectem” (art.º 58.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal) ou “decisões contra ele proferidas” (art.º 391.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma legal). No entanto, a legitimidade do assistente para recorrer da medida da pena tem levantado alguma controvérsia doutrinária. A posição adoptada pelo Tribunal de Última Instância consiste em que: de forma geral, o assistente não pode recorrer da escolha ou medida concreta da pena, dado que estas não o afectam, por fazerem parte do núcleo punitivo do Estado (in casu, RAEM), cuja defesa não cabe aos particulares, mas sim ao Ministério Público. Permitir que o assistente recorra para agravar a pena do condenado seria permitir-lhe usar o processo para se desforçar, caso em que voltaríamos para o tempo da justiça privada. Claro, isso não prejudica que o assistente demonstre, concretamente, um interesse próprio na impugnação da medida da pena. Por exemplo, se pretender que a suspensão da execução da pena aplicada deve ser decretada com a condição de pagamento da indemnização, já terá legitimidade para recorrer.

      No caso dos autos, o assistente não mostrou qualquer interesse concreto que pudesse fundamentar o seu pedido no recurso de agravação da pena aplicada ao arguido, limitando-se a formular o pedido cível de indemnização, sem que tenha deduzido acusação nem aderido à acusação do Ministério Público, nem ainda pretendido que a suspensão da execução da pena aplicada deve ser decretada com a condição de pagamento da indemnização.

      Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância concluiu que o assistente no caso vertente não tinha legitimidade para recorrer para o Tribunal de Segunda Instância quanto à medida da pena, julgou procedente o recurso interposto pelo arguido, anulando o acórdão do Tribunal de Segunda Instância na parte penal e mantendo a condenação do arguido decidida na primeira instância.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, processo n.º 43/2014.

 

 Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

24/07/2014