Situação Geral dos Tribunais

O Tribunal de Última Instância concede provimento ao procedimento cautelar intentado pelo notário privado contra a medida de suspensão preventiva de funções

       Num processo-crime do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, um notário privado da R.A.E.M. foi condenado pelo aludido Tribunal, pela prática, no exercício da actividade profissional de advogado, na forma de cumplicidade e consumada, de um crime de falsificação de documento, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos. Após o acórdão ter sido proferido em primeira instância, dele recorreu o notário privado para o Tribunal de Segunda Instância, cujo recurso em apreço se encontra pendente de julgamento.

       Dado o seu estatuto de notário privado, a Secretária para a Administração e Justiça ordenou a instauração de processo disciplinar contra o ora recorrente. Em 4 de Abril de 2014, por despacho, a Secretária para a Administração e Justiça aplicou ao ora recorrente a medida de suspensão preventiva do cargo de notário privado, ao abrigo dos artigos 21º do Estatuto dos Notários Privados e 331º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, até à decisão final no processo disciplinar.

       O notário privado requereu a suspensão da eficácia do supramencionado despacho ao Tribunal de Segunda Instância. Findo o julgamento, o Tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância indeferiu o requerimento de suspensão de eficácia, por ter considerado que a condenação do requerente com pena de prisão era suficiente para afectar gravemente o bom nome do sector do notariado, sendo assim, se lhe permitisse continuar com o desempenho das funções de notário privado, a confiança que a generalidade da população de Macau deposita nas instituições notariais ou nos notários, como sendo serviços e entidades guardiões da fé pública da função notarial, poderia ser altamente questionada, e consequentemente, seria gravemente comprometido o prestígio da Administração.

       Inconformado, interpôs o notário privado recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância.

       Após o julgamento, o Tribunal colectivo do Tribunal de Última Instância entendeu que, nos termos do n.º 1 do art.º 331º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau por remissão do art.º 21º do Estatuto dos Notários Privados, o interesse público concretamente prosseguido pelo acto administrativo que determina a aplicação da suspensão preventiva ao recorrente é apenas a inconveniência da presença do recorrente em funções para o apuramento da verdade e para o serviço. No que respeita à primeira situação, a Administração não alegou nada a tal respeito e o Tribunal também não averiguou a situação. Já no que concerne à segunda situação, apontou o Tribunal colectivo que o crime imputado ao recorrente não foi praticado na sua actividade de notário privado, mas antes na de advogado; a par disso, os factos imputados foram ocorridos em Agosto de 2002 e só se aplicou a suspensão preventiva ao recorrente em 12 anos após a ocorrência dos factos, e, durante este período de tempo, ele exerceu sempre as funções de notário privado; e, por cima, ao recorrente foi aplicada a medida de suspensão preventiva apenas com base numa condenação do Tribunal Judicial de Base, ainda não transitada em julgado, e quando no processo disciplinar ainda não foi deduzida acusação contra ele e sem nenhuma elaboração jurídica autónoma sobre os factos. Nesta conformidade, a aludida medida não é adequada a salvaguardar as exigências disciplinares da função de notário privado, não se verificando, portanto, grave lesão para o interesse público prosseguido pelo referido acto administrativo com a suspensão da eficácia do mesmo acto.

       Ora, de acordo com o n.º 4 do art.º 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso, ainda que o Tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente. In casu, a Secretária para a Administração e Justiça aplicou a medida de suspensão preventiva ao recorrente até à decisão final no processo disciplinar, processo esse que, por sua vez, está suspenso até decisão final de processo-crime. É, assim, provável que isto se prolongue por vários meses, se não anos, podendo levar, inevitavelmente, a perda de clientela do recorrente e causando-lhe a perda de réditos que não pode ser revertida ou que dificilmente será a sua reparação total. Assim sendo, este caso é compatível com a situação prevista no n.º 4 do art.º 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

       Face ao expendido, o Tribunal colectivo concedeu provimento ao recurso e suspendeu a eficácia do acto administrativo.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 66/2014 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

04/08/2014