Situação Geral dos Tribunais

Constitui fundamento do divórcio litigioso a simples separação de facto por dois anos consecutivos

      Em 2000, a Autora e o Réu contraíram casamento na Conservatória do Registo Civil de Macau. Em 2009, a Autora descobriu que ela sofria de monilíase vaginal. O Réu, bem conhecendo tal situação, sempre exigiu sexo à Autora. No ano de 2010, o Réu voltou a pedir à Autora para fazer sexo, mas o pedido foi recusado. Desde então, os cônjuges moravam sempre em quartos separados.

      Em 2013, a Autora propôs acção especial de divórcio litigioso no Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, pedindo que fosse a acção julgada procedente com base na violação pelo Réu dos deveres de respeito, fidelidade, cooperação e assistência, e que fosse decretado o divórcio entre a Autora e o Réu e declarado este o único culpado. O Réu deduziu reconvenção, pedindo ao Juízo para, com fundamento na violação pela Autora dos deveres conjugais, decretar a dissolução do casamento entre a Autora e o Réu e declarar aquela a única culpada.

      O Tribunal Judicial de Base entendeu que os factos alegados pela Autora não são suficientes para se dar como provado nos termos do art.º 1635.º do Código Civil que o Réu violou culposamente os deveres conjugais, ao que acresce que a Autora não conseguiu provar a respectiva conduta do Réu, pela sua gravidade ou reiteração, comprometeu a possibilidade da vida em comum. Todavia, apontou o Tribunal Judicial de Base que a separação de facto por dois anos consecutivos prevista no art.º 1637.º, al. a) e no art.º 1638.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez verificada, também constitui fundamento do divórcio litigioso. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1638.º, a relevância da separação de facto depende do preenchimento de dois requisitos cumulativos: o primeiro requisito é um elemento de carácter objectivo, que consiste na inexistência da comunhão de vida entre os cônjuges por dois anos consecutivos; ao passo que o segundo é de natureza subjectiva, exige que haja, durante dois anos consecutivos, por parte de ambos os cônjuges, ou de um deles, a intenção de não restabelecer a comunhão de vida interrompida. Conforme o Tribunal Judicial de Base, é verdade que a Autora e o Réu se encontram separados há mais de dois anos consecutivos, reunindo-se assim o elemento objectivo, mas não ficou provado o elemento subjectivo acima referido, razão pela qual se indeferiu o pedido de divórcio deduzido pela Autora contra o Réu devido ao não preenchimento cumulativo dos pressupostos legais para o decretamento do divórcio litigioso. Em relação à reconvenção, foi igualmente indeferido o pedido reconvencional deduzido pelo Réu contra a Autora, por não ter sido provada pelo Réu a violação dos deveres conjugais por parte da Autora. Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.

      Alegou a Autora que existe na sentença recorrida erro do julgamento da matéria de facto, tendo por fundamento que os depoimentos prestados pelas testemunhas por ela arroladas são suficientes para comprovar a violação pelo Réu dos deveres conjugais. Auscultadas e analisadas as passagens da gravação de depoimentos, o Tribunal de Segunda Instância indicou que ambas as testemunhas são ex-colegas da Autora e que se limitaram a referir que ouviram dizer da Autora, mas não presenciaram qualquer dos factos alegados nos autos, pelo que esses depoimentos indirectos de natureza “ouvir dizer” têm pouco valor probatório. Assim sendo, o Tribunal de Segunda Instância considerou que a sentença recorrida não padece de erro do julgamento da matéria de facto. Ao mesmo tempo, como não ficaram provados os factos supracitados, no entender do Tribunal de Segunda Instância, fica prejudicado o conhecimento da questão sobre a violação dos deveres conjugais.

      Por outro lado, na opinião do Tribunal de Segunda Instância, ao exigir a duração mínima de dois anos de separação de facto, o legislador estava a olhar apenas para o requisito objectivo e não também o subjectivo, pois este segundo requisito, de natureza subjectiva, é um requisito de natureza complementar. Assim sendo, desde que no momento da sentença persista a intenção de não restabelecer a comunhão de vida interrompida por dois anos consecutivos, é de decretar o divórcio.

      Nos termos acima expostos, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em julgar parcialmente procedente o recurso e revogar a sentença na parte que não decretou o divórcio, decretando em substituição o divórcio nos termos consignados, mantendo na íntegra as restantes partes da sentença recorrida.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 723/2013.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

24/10/2014