Negado provimento ao recurso interposto por arguida estrangeira que foi condenada em cúmulo jurídico das penas aplicadas em três crimes, por ter furtado dinheiro da sua conterrânea
A arguida trabalhava no Clube nocturno XX desde Maio de 2012. Conforme as indicações da empresa, a arguida e sua colega de nacionalidade malaia, XXX (vítima), habitavam no dormitório de empregados. Na segunda quinzena do mês de Novembro de 2012, a arguida cessou a relação de trabalho com a empresa e regressou à sua terra natal, Malásia. A arguida devolveu à empresa as chaves originais da porta do dormitório, mas ainda guardou consigo um jogo de cópias das aludidas chaves. Em 24 de Janeiro de 2013, a arguida voltou a deslocar-se da Malásia a Macau para procurar emprego. Na noite do dia 14 de Abril de 2013, depois de ter verificado que não havia ninguém no supramencionado dormitório de empregados, a arguida entrou na aludida fracção através das cópias das chaves da porta e começou a vasculhar o quarto da vítima, onde encontrou e tirou uma caderneta de depósito bancário da vítima (em dólares de Hong Kong) junto ao “Banco Nacional Ultramarino” e um Passaporte Malaio da mesma. Em 15 de Abril de 2013, a arguida dirigiu-se a uma agência do “Banco Nacional Ultramarino” para efectuar o levantamento de dinheiro, por isso, exibiu sucessivamente à empregada do banco a caderneta de depósito bancário (em dólares de Hong Kong) e o Passaporte Malaio da vítima, tomando fraudulentamente a identidade da vítima e falsificando a assinatura da mesma, e conseguiu, enfim, levantar um montante de HKD80.000,00.
Pelos factos supracitados, entendeu o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base: a arguida deve ser condenada, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão; pela prática de um crime de uso de documento de identificação alheia, na pena de 9 meses de prisão; e pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos três crimes, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base determina condenar a arguida na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Inconformada, a arguida recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, apontando que o Tribunal a quo cometeu, especialmente, erro notório na apreciação das provas relativas ao crime de uso de documento de identificação alheia, por conseguinte, requereu ao Tribunal ad quem que, segundo o princípio in dubio pro reo, a absolvesse do referido crime, bem como, de qualquer modo, atenuasse altamente a pena e suspendesse a sua execução.
Indicou o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: a arguida não pode dizer que o sucesso que ela teve, inicialmente, no levantamento do dinheiro depositado pela vítima no banco, é uma circunstância que apure que ela nunca tenha exibido o Passaporte da vítima ao banco. Entende o Tribunal de Segunda Instância que, conforme as regras da experiência, se o Passaporte da vítima não é o instrumento que serve para levantar o dinheiro depositado no banco, então, porque é que a arguida, que não é indocumentada, subtraiu-o no domicílio da vítima? Além disso, quando um depositante pretende levantar dinheiro de valor elevado, será que o banco vai deixar passar facilmente a oportunidade de lhe exigir a exibição de documento de identificação para efeitos de averiguação da identidade? Por esta razão, a recorrente não pode, de facto, defender a sua alegada “inocência” com base no lapso cometido pelo banco. Por outras palavras, as provas e os factos da incriminação existentes nesta causa são suficientes e lógicos, pelo que, à luz do resultado do conhecimento de facto a quo, evidentemente, não pode ser a arguida absolvida do crime de uso de documento de identificação alheia.
Quanto à determinação da pena, o Tribunal de Segunda Instância concordou perfeitamente com os fundamentos legais e razoáveis apresentados pelo Tribunal a quo na determinação da pena, pelo que, conforme os critérios da determinação da pena consagrados nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40º e n.ºs 1 e 2 do art.º 65º do Código Penal, não se vislumbrou a possibilidade de diminuir as penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo nos três crimes praticados pela recorrente e a pena única fixada em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos referidos três crimes. Embora a ora vítima recuperasse a maior parte do dinheiro perdido através do Tribunal a quo e os dois ex-colegas da arguida assinassem comummente uma carta rogatória destinada ao Tribunal, dizendo que a mesma estava sinceramente arrependida, do ponto de vista da prevenção geral dos três crimes praticados pela arguida, este Tribunal considerou que não podia atenuar especialmente as penas impostas à arguida como estrangeira a praticar esses três crimes em Macau, mesmo que fosse primária em Macau. Por fim, a condenação final do Tribunal a quo é superior a 3 anos de prisão, pelo que, de qualquer modo, não é possível a recorrente ser beneficiada com suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.
Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo de processos em matéria criminal do Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto pela arguida, mantendo a sentença a quo.
Cfr. o Acórdão do Processo n.º 31/2014 do Tribunal de Segunda Instância.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
05/11/2014