Situação Geral dos Tribunais

Promitente-vendedora que desejava lucrar com a revenda de parques de estacionamento foi condenada à devolução do sinal em dobro por incumprimento da promessa

      Em 7 de Maio de 2004, Chan XX e Fong XX celebraram um contrato escrito em que aquela prometeu comprar e esta prometeu vender quatro parques de estacionamento, situados num edifício no NAPE, Macau. No momento da celebração do contrato, Chan XX pagou a Fong XX o montante de HKD$116.500,00 e, três dias depois, pagou o remanescente do preço. No dia 27 de Maio de 2004, Chan XX e Fong XX concluíram, novamente, um contrato escrito nos termos do qual aquela prometeu comprar e esta prometeu vender três outros parques de estacionamento sitos no mesmo edifício pelo preço total de HKD$216.000,00, tendo Chan XX, de imediato, pago integralmente o preço. Na verdade, aquando da celebração dos aludidos contratos, Fong XX não era proprietária dos sete parques de estacionamento, mas exibiu a Chan XX contratos-promessa de compra e venda dos parques de estacionamento, comprometendo-se a adquirir a propriedade desses mesmos no prazo de três meses, de modo a celebrar com Chan XX escrituras definitivas. No entanto, passado o prazo supracitado, Fong XX não conseguiu adquirir os setes parques de estacionamento, o que tornou impossível a transferência para Chan XX dos parques prometidos vender, tendo Chan XX, por sua vez, perdido o interesse em os adquirir depois de várias interpelações infrutíferas.

      Chan XX intentou no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base acção declarativa com processo ordinário contra Fong XX, pedindo que fosse esta condenada, pelo incumprimento definitivo dos contratos-promessa de compra e venda, a pagar-lhe a quantia de MOP$926.288,00, a título de sinal em dobro; ou subsidiariamente, a quantia de MOP$463.144,00, a título de sinal recebido da Autora, acrescida de juros à taxa legal. Ainda solicitou ao Tribunal que, em qualquer dos casos, condenasse a Ré ao pagamento da quantia de MOP$1.000,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso após o trânsito em julgado da decisão até efectivo e integral cumprimento. O Tribunal Judicial de Base julgou procedente a acção, confirmando que têm carácter de sinal as três quantias pagas pela Autora à Ré nos dois contratos-promessa de compra e venda, de HKD$116.500,00, HKD$116.500,00 e HKD$216.000,00, respectivamente, condenando a Ré ao pagamento à Autora da quantia total de HKD$898.000,00, a título de sinal em dobro (equivalente a MOP$924.940,00), acrescida de juros de mora a contar de 4 de Novembro de 2009, julgando, porém, improcedente, o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória.

      Inconformada com tal decisão, a Ré veio dela recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, considerando que foram efectivamente celebrados entre ela e a Autora dois contratos de cessão da posição contratual, e não contratos-promessa de compra e venda como afirmou o Tribunal a quo. Por via dos dois contratos, a Ré transmitiu à Autora as suas posições de promitente-comprador adquiridas nos contratos-promessa de compra e venda celebrados com o primitivo promitente-vendedor dos respectivos parques de estacionamento. Celebrados os dois contratos em causa, foram automaticamente extintos e cessados quaisquer direitos e obrigações da Ré, não devendo esta, por isso, pagar qualquer indemnização à Autora.

      O Tribunal de Segunda Instância procedeu ao julgamento do caso, entendendo o seguinte: A cessão da posição contratual prevista nos art.ºs 418.º e seguintes do Código Civil traduz-se no negócio jurídico por via do qual um dos contratantes de um contrato bilateral ou sinalagmático, transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato.O sentido que se extrai do texto contratual, o sentido razoável e que estará em consonância com o objectivo final pretendido por ambas as partes, tal como tudo seria entendido por um declaratário normalmente diligente colocado na posição dos contraentes é o de que a Ré, que ainda não adquiriu os sete parques, se comprometeu a vendê-los à Autora por determinado preço e em certa data, não apondo qualquer condição à realização de tal negócio. Na conclusão desses dois contratos, nenhum contacto foi estabelecido entre a Autora e o primitivo promitente-vendedor, nem existiu qualquer intervenção da sua parte na nova relação contratual estabelecida entre a Ré e a Autora, já para não falar do seu consentimento. Portanto, os contratos celebrado entre a Autora e a Ré não revestem a natureza de cessão de posição contratual, antes pelo contrário, estão em causa dois contratos-promessa de compra e venda de bens futuros.

      Entendeu o Tribunal de Segunda Instância que, tratando-se de contrato-promessa de compra e venda de bens futuros, o promitente-vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que seja possível celebrar o contrato de compra e venda prometido nas condições acordadas com o promitente-comprador, isto é, há-de providenciar para que o promitente-comprador venha a adquirir, nas condições estipuladas, o bem prometido vender. Quanto às diligências, tanto poderia o promitente-vendedor, adquirir ao terceiro proprietário a coisa prometida vender e depois outorgar com o promitente-comprador a escritura definitiva, como poderia negociar com o terceiro proprietário de modo a conseguir que este outorgasse a escritura de compra e venda directamente com o promitente-comprador, nas condições estipuladas no contrato-promessa.

      A Ré não cumpriu a sua promessa até às datas acordadas com a Autora, i.e., 7 de Agosto de 2004 e 27 de Agosto de 2004, fazendo com que esta tivesse perdido o interesse na aquisição dos ditos parques de estacionamento, e levando ao incumprimento definitivo dos contratos. Sendo assim, deve a Ré devolver à Autora o sinal em dobro nos termos do art.º 436.º, n.º 2 do Código Civil.

      Face ao exposto, acordaram em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 104/2013.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

06/11/2014