Situação Geral dos Tribunais

Sendo o Chefe do Executivo incompetente para decidir sobre pedidos de arrendamento perpétuo de campas, o seu silêncio não configura um indeferimento tácito

      No dia 28 de Dezembro de 2001, a senhora B, na qualidade de filha da falecida, apresentou um requerimento de arrendamento perpétuo de campas. Em 15 de Dezembro de 2003, o Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (adiante, IACM) informou a requerente “… que de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 37/2003, não vem contemplada a venda de sepultura perpétua. Todavia, de acordo com o art.º 14º do mesmo regulamento, o Chefe do Executivo pode conceder o direito de uso prolongado de sepultura a determinada individualidade em virtude de factos considerados relevantes, nomeadamente, dos seus méritos pessoais, contributo para a sociedade, serviços prestados à RAEM ou por ter perdido a vida em defesa do interesse público.” O marido do falecida, F, inconformado com tal solução, apresentou dois requerimentos ao Chefe do Executivo, respectivamente nos dias de 10 de Setembro de 2004 e de 21 de Outubro de 2008, pedindo a reabertura do processo desencadeado por B e, consequentemente, a reavaliação do pedido de arrendamento perpétuo de campas à luz do Regulamento dos Cemitérios Municipais de 1961. No entanto, F nunca obteve do Chefe do Executivo qualquer resposta verbal ou por escrito.

      Por entender que o silêncio do Chefe do Executivo configurava uma situação de indeferimento tácito nos termos do art.º 102.º do Código do Procedimento Administrativo, F veio interpor recurso contencioso de anulação deste acto administrativo presumido para o Tribunal de Segunda Instância, pedindo que fosse o acto em questão anulado por vício de violação de lei.

      O Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu, em síntese, o seguinte: primeiro, quer conforme o Regulamento dos Cemitérios Municipais de 1961 vigente no momento em que deu entrada o pedido de B, quer nos termos do Regulamento Administrativo n.º 37/2003 vigente no momento em que F apresentaram os requerimentos, não compete ao Chefe do Executivo, mas sim à Câmara Municipal de Macau Provisória ou ao IACM, apreciar pedidos sobre a utilização de sepulturas, gavetas-ossário ou câmara de cinzas. Segundo, pese embora o Chefe do Executivo possa conceder o direito de uso prolongado de sepultura a determinada individualidade,não foi esse mas antes o arrendamento perpétuo de campas que o requerente pediu. Terceiro, a competência do IACM para decidir dos pedidos de uso de sepulturas não cai no âmbito definido no art.º 4.º dos Estatutos do IACM em que compete ao Chefe do Executivo o exercício de tutela sobre o IACM, pelo que o requerente não pode interpor recurso tutelar para o Chefe do Executivo. Por último, embora seja verdade que o requerente não está inibido de apresentar petições ao Chefe do Executivo, nos termos consagrados na Lei nº 5/94/M, mas aquela Lei não se aplica, conforme o seu art.º 1.º, n.º 2, à defesa dos direitos e interesses perante os tribunais e à impugnação dos actos administrativos, através de reclamação ou recursos hierárquicos. Face aos fundamentos acima expostos, o Chefe do Executivo não detinha e não detém competência material para decidir sobre a matéria subjacente à pretensão formulada pelo requerente, razão pela qual o silêncio sobre tal matéria não confere ao requerente o direito de presumir indeferida a sua pretensão para efeitos de recurso contencioso. Com base nisso, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em rejeitar o recurso por falta de objecto do recurso.

      Proferido o acórdão, A, B, C, D e E, enquanto sucessores habilitados de F já falecido nessa altura, não se conformaram e recorreram para o Tribunal de Última Instância, inculcando o seguinte: foi a informação incorrecta prestada pelo Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do IACM, em 15 de Dezembro de 2003, que acabou por determinar a entrega dos referidos requerimentos ao Chefe do Executivo, que era incompetente para decidir sobre a matéria em causa. Daí se tratar de um erro desculpável, devendo o Chefe do Executivo ter os requerimentos oficiosamente remetidos ao órgão competente. Mesmo que se entendesse que o erro era indesculpável, deveria o Chefe do Executivo ter notificado F, em prazo não superior a quarenta e oito horas, de que os seus requerimentos não seriam apreciados, por forma a permitir-lhe agir em conformidade. Não o tendo feito, o Chefe do Executivo cometeu uma ilegalidade por omissão que, nos termos do art.º 122.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, é cominada com a nulidade, que é de conhecimento oficioso do tribunal. Pediram ainda as recorrentes a remessa dos requerimentos em causa para o órgão competente.

      Após o julgamento, o Tribunal de Última Instância apontou que, independentemente de ser um erro desculpável ou indesculpável a entrega pelo requerente dos requerimentos ao Chefe do Executivo, i.e., órgão incompetente, se verifica uma omissão no procedimento administrativo, uma vez que a entidade recorrida não remeteu tais requerimentos para o órgão competente nos termos do art.º 36.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, nem notificou o particular de que a sua pretensão não seria apreciada no prazo legalmente fixado de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito. Contudo, tal omissão não implica uma nulidade de conhecimento oficioso do tribunal, porque ela não se integra em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo, nem em outras normas referentes à nulidade. Por outro lado, não está em causa nenhum acto administrativo, pelo que muito menos se pode falar na falta de elementos essenciais do acto.

      Em relação ao pedido sobre a determinação da remessa dos requerimentos para o órgão competente, na óptica do Tribunal Colectivo, por um lado, tal pedido não preenche os requisitos legais definidos no art.º 24.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso para a cumulação de pedidos, por outro lado, trata-se de uma questão nova formulada só no recurso jurisdicional, termos em que decidiu o mesmo Tribunal se não pronunciar sobre o pedido em apreço.

      Pelo exposto, acordaram em negar provimento ao recurso.

      Cfr. o Acórdão do TSI, processo n.º 181/2009, e o Acórdão do TUI, processo n.º 82/2014.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

07/11/2014