Situação Geral dos Tribunais

Sociedade que praticou duas contravenções previstas na Lei das Relações de Trabalho foi condenada a pagar ao trabalhador o montante em dívida

      No período compreendido entre 16 de Julho de 2007 e 6 de Março de 2011, o trabalhador B foi contratado pela sociedade por quotas A, ora arguida. Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre eles, o trabalhador B estava integrado na categoria F e tinha direito às regalias previstas no contrato. Conforme o Guia de Regalias dos Trabalhadores actualizado pela entidade patronal no dia 26 de Dezembro de 2006, para os trabalhadores da categoria F, o período normal de trabalho era de “48 horas por semana (incluindo o tempo de refeições), tendo tal condição de trabalho sido comunicada aos trabalhadores no momento do seu ingresso. Posteriormente, a entidade patronal, sem o consentimento dos trabalhadores, actualizou, unilateralmente, o Guia de Regalias dos Trabalhadores no dia 3 de Agosto de 2007, alterando o período de trabalho de “48 horas por semana (incluindo o tempo de refeições)” para “48 horas por semana”. Por instruções da entidade patronal, os empregados passaram a trabalhar 8 horas por dia, com mais uma hora para refeições, auferindo, no entanto, a mesma remuneração de base anteriormente fixada.

      Não produz qualquer efeito jurídico a modificação que a entidade patronal unilateralmente introduziu ao contrato de trabalho, quando não obteve o consentimento do trabalhador nem apresentou requerimento à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (adiante, DSAL). Ao abrigo do estipulado no contrato, pelo trabalho prestado além do período normal de 48 horas será paga uma remuneração 1,1 vezes o valor normal.

      Para além disso, de acordo com as condições de trabalho pré-estabelecidas “o trabalhador tem direito, em cada ano, a 6 dias de faltas por doença remuneradas. Os dias não gozados podem ser convertidos em férias anuais.” O trabalhador B, nos anos de 2009 e 2010, gozou, respectivamente, de 1 e 5 dias de faltas por doença remuneradas. Todavia, a infractora não fez convertidos em férias anuais os dias de faltas por doença não gozados pelo trabalhador B, nem lhe pagou compensação pecuniária.

      O Tribunal Judicial de Base decidiu, em primeira instância, condenar a arguida, sociedade por quotas A, como autora de uma contravenção p. e p. pelo art.º 85.º, n.º 1, al. 6) da Lei n.º 7/2008 (negar o direito à remuneração do trabalho extraordinário), conjugado com os art.º 59.º, n.º 1, al. 2) e 62.º, n.º 3 do mesmo diploma, a multa de MOP$23.000,00; e de uma contravenção p. e p. pelo 85.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 7/2008 (negar o direito a férias), em conjugação com o art.º 49.º do dito diploma legal, a multa de MOP$12.000,00, em cúmulo jurídico, a multa global de MOP$35.000,00. Mais condenou a infractora, sociedade por quotas A, a pagar ao trabalhador B a quantia de MOP$34.057,40, acrescida de juros legais.

      O Ministério Público, discordando da decisão do Tribunal a quo na parte referente à condenação da infractora a pagar ao trabalhador B apenas MOP$34.057,40, veio recorrer para o Tribunal de Segunda Instância. Alegou o Ministério Público que o trabalhador em causa desejava receber o montante de indemnização constante do mapa de apuramento elaborado pela DSAL, no valor total de MOP$68.090,00, daí estar ainda em dívida a quantia de MOP$34.032,60. O fundamento principal invocado pelo Ministério Público consiste em que o Tribunal a quo, por um lado, deu como provado que a entidade patronal dava ao trabalhador um intervalo para refeições de uma hora por dia, mas, por outro, veio a calcular o montante de indemnização em função de um período de trinta minutos. A decisão recorrida violou a disposição do art.º 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 24/98/M (Estabelece as Relações de Trabalho), assim também o estatuído no art.º 14.º da Lei n.º 7/2008 (Lei das Relações de Trabalho) que confere aos empregadores e trabalhadores a liberdade de celebrarem contratos de trabalho reguladores das condições de trabalho.

      Entendeu o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: da petição de recurso resulta que o Ministério Público tem opinião contrária apenas em relação à forma como se calcula a compensação pelo período de trabalho correspondente ao tempo de refeições. Na opinião do Ministério Público, a compensação a este respeito devia ser calculada em função dum período de uma hora, em vez de meia hora. Ainda sublinhou o Ministério Público que, no período de duração do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador B, entrou em vigor a Lei n.º 7/2008 de 18 de Agosto (a lei das relações de trabalho ora vigente), que revogou o Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril (a antiga lei das relações de trabalho), razão pela qual se devia, atento o período concreto de duração do dito contrato de trabalho, calcular, respectivamente no quadro da antiga lei e da nova lei, os montantes de compensação ocorridos na sua vigência. Em termos concretos, do ponto de vista do Ministério Público, no quadro da antiga lei, como as cláusulas contratuais já fixaram o parâmetro «1,1 vezes» para o cálculo da compensação pecuniária, seria este que servia de base ao cálculo, ao passo que no quadro da nova lei, dever-se-ia calcular a compensação em função do parâmetro «1,2 vezes» definido na lei.

      Por sua vez, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância afirmou, em síntese, o seguinte: o Ministério Público deduziu acusação contra a sociedade por quotas A com base no auto de notícia elaborado pela DSAL. Em anexo de tal auto de notícia se junta o mapa de apuramento do montante da compensação pecuniária, no qual, de facto, a DSAL fixou a compensação pelo período de trabalho correspondente ao tempo de refeições com referência ao parâmetro «1,0 vez». Por isso, seja como for, o Ministério Público, no seu pedido, não pode recorrer a um parâmetro superior àquele adoptado pela DSAL, sob pena de violar o limite máximo do valor indemnizatório inicialmente solicitado.

      Acerca da questão-chave na causa vertente, isto é, deve a compensação pelo período correspondente ao tempo de refeições ser calculada em função de “meia hora” ou “uma hora”? Em entender deste Tribunal, uma vez que o Tribunal a quo deu por provado que “no período para refeições com a duração de uma hora, o trabalhador B ...”, “o trabalhador B, no lapso temporal de uma hora destinado para refeições ...”, “no intervalo para refeições de uma hora, o trabalhador ...”, naturalmente se deve calcular a respectiva compensação em função de um período de “uma hora” (e não de meia hora). Nesta conformidade, sem prejuízo do limite máximo do montante indemnizatório inicialmente pedido, vem este Tribunal fixar a compensação pelo período de trabalho correspondente ao tempo de refeições em MOP$65.653,10, ou seja, no montante anteriormente invocado pela DSAL.

      Face ao exposto, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, condenando a sociedade por quotas A a pagar ao trabalhador B a quantia de MOP$68.090,00 a título de indemnização, acrescida de juros legais até ao integral pagamento.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 493/2013.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

17/11/2014