Situação Geral dos Tribunais

Pode decretar-se a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas

      No dia 16 de Janeiro de 2012, num estabelecimento de sopa de fitas, quando o recorrente estava a discutir com a sua amiga, abeirando-se do mesmo um empregado de mesa daquela loja perguntando-lhe o que queria comer, de repente, o recorrente pegou numa garrafa de cerveja com a qual deu um golpe na cabeça do tal empregado, causando-lhe ferimentos.Tendo sido instaurado inquérito, mas o mesmo acabou por ser arquivado face à desistência de queixa apresentada pelo ofendido.Por despacho do Sr. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 28 de Fevereiro de 2012, foi determinada a interdição de entrada do recorrente na RAEM, pelo período de 3 anos.Inconformado com o despacho, apresentou recurso hierárquico necessário junto do Sr. Secretário para a Segurança, tendo este proferido, em 31 de Julho de 2012, despacho no sentido de manutenção da interdição de entrada do recorrente na RAEM, pelo período de 3 anos.

      O recorrente interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Secretário para a Segurança para o Tribunal de Segunda Instância.

      Por Acórdão proferido em 16 de Janeiro de 2014, o Tribunal deSegunda Instância decidiu negar provimento ao recurso.

      Inconformado com a decisão, o recorrente recorreu para o Tribunal de Última Instância, alegando que o acórdão recorrido viola os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo e, bem assim, as disposições dos n.ºs 3 e 4 do art.º 12.º da Lei n.º 6/2004. Ainda arguiu o recorrente que a decisão a quo é nula por excesso de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

      O Colectivo do Tribunal de Última Instância conheceu, uma por uma, das questões levantadas pelo recorrente.

      A propósito da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, manifestou o Colectivo do Tribunal de Última Instância que, no caso dos autos, o que o Tribunal recorrido fez não é mais do que emitir, com base nos factos assentes, um juízo sobre a personalidade do recorrente, não existindo qualquer excesso de pronúncia.Não obstante a proibição de excesso de pronúncia, certo é que nada impede que o tribunal forme certa convicção ou tire alguma conclusão a partir da matéria de facto provada, para a qual é legítimo.

      Sobre a violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, o Colectivo do Tribunal de Última Instância frisou que, na causa vertente, foi decretada a interdição de entrada à luz do art.º 12.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 6/2004, conjugado com o art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003. Este último preceito refere-se à circunstância de “existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes”. Daí decorre que, no caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.Não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, vigentes nomeadamente na fase de julgamento, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito.

      Em relação à violação das disposições dos n.ºs 3 e 4 do art.º 12.º da Lei n.º 6/2004 – existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM e proporcionalidade do período de interdição de entrada, em entender do Colectivo do Tribunal de Última Instância,quanto à “existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas”, exigida no n.º 3 do art.º 12.º da Lei n.º 6/2004 como fundamento para interdição de entrada, afigura-se que a sua avaliação cabe no âmbito do poder discricionário da Administração, insindicável pelo tribunal.No que respeita à proporcionalidade da medida em causa (interdição de entrada por 3 anos) à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que determinam, mais uma vez estamos perante o exercício do poder discricionário da Administração.

      O acto administrativo impugnado visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é prevenção e garantia da segurança, da ordem públicas e estabilidade social da RAEM e tem o fundamento legal. Cabe à Administração da RAEM considerar e avaliar a conduta e a personalidade do recorrente, ponderar a existência de perigo que pode ser causado à segurança e ordem públicas com a entrada e permanência do recorrente e tomar a medida que considera adequada e necessária. Tendo em conta os elementos constantes dos autos, não se afigura que a medida de proibição de entrada por 3 anos aplicada ao recorrente é manifestamente excessiva nem desproporcional. É de concluir pela improcedência do recurso, também nesta parte.

      Nos termos acima expostos, acordaram em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, processo n.º 28/2014.

 

 Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

20/11/2014