Situação Geral dos Tribunais

Indeferiu-se o pedido de emissão do BIRPM por insuficiência do tempo de residência em Macau sem justa causa

       O recorrente, nascido nas Filipinas, titular do passaporte filipino, apresentou, no ano 2004, pedido de fixação de residência em Macau por investimento imobiliário. Pediu à Direcção dos Serviços de Identificação (DSI), em 26 de Maio de 2005, a emissão do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau e, em dia 5 de Abril de 2012, a emissão do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau.

      No dia 21 de Junho de 2012, o recorrente consentiu, por escrito, que o Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública verificasse o seu registo de entradas e saídas do Território. De acordo o registo, nos anos de 2005 a 2008, o recorrente permaneceu em Macau, respectivamente, 299, 351, 343 e 291 dias. Ao passo que nos anos de 2009 a 2012, ficou em Macau apenas 53, 37, 54 e 23 dias, respectivamente. A DSI notificou o recorrente por telefone para esclarecer por que razão tinha passado pouco tempo no Território. No dia 13 de Agosto de 2012, veio o recorrente prestar esclarecimentos acerca disso.

      O recorrente foi informado, por ofício, da decisão da DSI que não admitiu o seu requerimento pela razão de que, desde 2009 até 2012, o recorrente passou em Macau menos de 60 dias por cada ano, ao que acresce que o principal membro da sua família (o seu cônjuge) não residia habitualmente em Macau. Da decisão acima referida veio o recorrente interpor recurso hierárquico necessário para a Secretária para a Administração e Justiça a 12 de Outubro de 2012. Por relatório de 8 de Novembro de 2012, o assessor do Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça propôs que fosse indeferido o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente, tendo, depois, a Secretária para a Administração e Justiça proferido despacho no mesmo sentido em 9 de Novembro de 2012.

      O recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao despacho recorrido os vícios seguintes: 1. Falta de fundamentação e insuficiência de fundamentos; 2. Interpretação errada do art.º 4.º, n.º 4 e do art.º 8, n.º 2 da Lei n.º 8/1999; 3. Falta de audiência prévia prevista no Código do Procedimento Administrativo (CPA); 4. Violação do princípio da desburocratização consagrado no CPA. O TSI conheceu, um por um, dos fundamentos supramencionados.

      Relativamente à falta de fundamentação e à insuficiência de fundamentos, entendeu o TSI que, no caso dos autos, a Secretária para a Administração e Justiça proferiu despacho no respectivo relatório, concordando com a proposta nele apresentada e indeferindo o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente. Acredita-se que, consultando o dito relatório, qualquer pessoa de normal diligência se aperceberia que o motivo que levou ao indeferimento do recurso hierárquico necessário consiste em que o recorrente, sem ter residido em Macau por sete anos consecutivos, não preenche os requisitos para a obtenção do estatuto de residente permanente de Macau. Por outras palavras, improcede o recurso nesta parte.

      Quanto à interpretação errada dos art.ºs 4.º, n.º 4 e 8.º, n.º 2 da Lei n.º 8/1999, o recorrente, para justificar a sua permanência em Macau por pouco tempo, alegou que encontrou grandes dificuldades no seu negócio nas Filipinas, precisando, por isso, de ali ficar durante um longo período para os salvar. Uma vez que dependem do negócio de agência de turismo explorado nas Filipinas o seu rendimento pessoal e até o rendimento de toda a família, a ocorrência de problemas na exploração desse negócio iria colocar o recorrente e a sua família perante uma grave crise económica. Por esse motivo, sem qualquer outra alternativa, o recorrente regressou às Filipinas a fim de resolver pessoalmente as dificuldades encontradas no negócio. Com base nisso, considerou o recorrente que a DSI não atendeu à supracitada situação de força maior. Conforme manifestou o TSI, à luz das disposições a este respeito, a aquisição do estatuto de residente permanente de Macau pressupõe a verificação cumulativa de dois requisitos: 1) que o requerente tenha residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos; 2) que o requerente tenha o seu domicílio permanente em Macau. In casu, nos anos de 2009 a 2012, o número de dias de residência em Macau do recorrente era, respectivamente, de 53, 37, 54 e 23. Não há dúvida que, no respectivo período, o recorrente não residia habitualmente no Território. Só se coloca a questão de saber se isso ocorreu por motivo de força maior. Ora, não era por razões de força maior que o recorrente, nos anos de 2009 a 2012, residia no exterior de Macau durante muito tempo. Em primeiro lugar, entre 5 de Agosto de 2010 e 5 de Março de 2012, o recorrente, por baralhar fichas no Clube de VIP do Grupo XX, recebeu a título de comissão o montante total de $3.369.457,00, que era, obviamente, suficiente para suportar os custos de vida dele e da sua família, pelo que tinha ele margem de escolha, não se tratando duma situação de “sem qualquer outra alternativa”. Por outro lado, se o recorrente optou por residir habitualmente em Macau, deixou, naturalmente, de ter o centro da sua vida e actividades nas Filipinas. Mas ele acabou por regressar às Filipinas para ensinar o seu filho a fazer negócio, o que quer dizer que, durante o período acima aludido, optou o recorrente por não ter em Macau a sua residência habitual ou o centro da sua vida e actividades. Nestes termos, a entidade recorrida andou bem ao dar como provado que o recorrente não residia habitualmente em Macau durante os anos de 2009 a 2012 e, em consequência, ficar convicto de que o mesmo não residiu em Macau por sete anos consecutivos, não se verificando, pois, a alegada violação do art.º 4.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 8/1999.

      Em relação à falta da audiência prévia, afirmou o TSI: na causa vertente, importa frisar que não era adequado a DSI notificar o recorrente, por via telefónica, para se pronunciar sobre a insuficiência do seu tempo de residência em Macau nos anos de 2009 a 2012, já que o deveria ter feito por escrito. Porém, salvo o devido respeito por opinião contrária, não entendemos que o acto recorrido deva ser anulado por isso. O que se pretende com a audiência dos interessados é permitir-lhes participarem no procedimento que lhes respeite e manifestarem as suas opiniões, de modo a que a Administração, tendo tais em conta, evite tomar decisão surpresa. Na realidade, acerca da respectiva questão, o recorrente já exprimiu as suas opiniões verbalmente, tendo também dado opiniões por escrito no posterior recurso hierárquico necessário dirigido à entidade recorrida. Daí, o acto recorrido, em si próprio, não padecer do vício de falta de audiência.

      A propósito da violação do princípio da não burocratização, na opinião do recorrente, a forma como se obtém o estatuto de residente permanente se traduz num assunto de enorme importância para os residentes não permanentes, sendo, portanto, necessário os serviços do Governo explicarem, apresentarem ou recordarem devidamente as respectivas formalidades e condições. No entanto, ao longo de todo o procedimento administrativo, o recorrente não recebeu da entidade recorrida ou da DSI quaisquer explicações ou instruções relativas à aquisição do direito de residência permanente em Macau. O TSI, por sua vez, entendeu que qualquer pessoa que queira adquirir o estatuto de residente permanente de Macau deve tomar a iniciativa de conhecer as formalidades relacionadas, podendo, em caso de incerteza ou dúvida, consultar os serviços competentes da Administração. Não é, todavia, da responsabilidade da Administração diligenciar por sua iniciativa. Ao abrigo do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares contemplado no art.º 9.º do CPA, a Administração apenas tem a obrigação de prestar as informações e os esclarecimentos que lhe forem solicitados. É certo que a Administração pode também prestar informações por iniciativa própria quando estiver em causa o interesse público, só que, no caso vertente, o recorrente pediu para se tornar residente permanente de Macau em proveito do seu interesse pessoal, um interesse não directamente relacionado com o interesse público. Nesta conformidade, o acto praticado pela Administração Pública não violou o princípio da não burocratização. Sendo assim, improcede também este fundamento.

      Face ao exposto, o TSI negou provimento ao recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.

      Cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 2/2013.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/12/2014