Situação Geral dos Tribunais

Processo de produção de estupefacientes reenviado para novo julgamento pelo TSI por se verificar contradição da fundamentação

      A 31 de Julho de 2002, o arguido B abriu uma fábrica de produtos químicos, utilizando o endereço das instalações da fábrica arrendadas como o da empresa para exercer as actividades de exploração, no intuito de fornecer detergentes e prestar serviço de lavagem de toalhas de mesa aos estabelecimentos de comida em Macau. Aproximadamente a partir do segundo semestre de 2009, o arguido B e o arguido A agiram em vontade comum, no sentido de utilizar a Fábrica de Produtos Químicos XX para produzir estupefacientes em Macau, nomeadamente, a droga vulgarmente conhecida por “ice”, continuando, ao mesmo tempo, a produzir detergentes e prestar serviço de lavagem de toalhas de mesa com o fim de ocultar a sua actividade de produção de estupefacientes. Segundo o plano de produção de estupefacientes, os arguidos A e B actuavam em comunhão de esforços, sendo que o primeiro se responsabilizava pelos financiamento e supervisão do andamento, e o segundo pelo trabalho concreto relativo à produção, tais como, a contratação de técnicos profissionais na área de química e de trabalhadores comuns, bem como a aquisição de instrumentos, equipamentos e matérias-primas para a produção de drogas. Aproximadamente a partir do segundo semestre de 2010. O arguido B encarregou, sob conhecimento do arguido A, o arguido C de efectuar as actividades do plano de produção de estupefacientes, o qual contactava os profissionais no Interior da China que tinham conhecimentos da química, para proporcionar aos arguidos a técnica de produzir “ice” e respectivas fórmulas. Depois, sob a concordância e instruções dos arguidos A e B, o arguido C encarregava-se também da aquisição, junto das fábricas de drogas em Macau ou do Interior da China, das matérias-primas para a produção de “ice”, bem como da aquisição dos instrumentos e equipamentos necessários para a produção de drogas e do transporte destes para as instalações da fábrica supramencionada. Aproximadamente a partir do segundo semestre de 2010, o arguido B conheceu, sob conhecimento do arguido A, o arguido D mediante o arguido C. Desde então, o arguido D procurava e fornecia as matérias-primas e produtos químicos para a produção de “ice”. No período compreendido entre 27 de Julho de 2011 e 22 de Setembro de 2011, os agentes da Polícia Judiciária encontraram, na sequência de uma busca às instalações da Fábrica de Produtos Químicos XX, as matérias-primas e produtos químicos para a produção de drogas controlados por lei que estavam previstos para produzir 500 a 700 gr. de metanfetamina, ou seja, “ice”.

      Ademais, o arguido B estabeleceu, sem ter a autorização necessária, uma relação laboral em Macau com K, mesmo bem sabendo que tal não era residente de Macau.

      A 31 de Julho de 2012, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base proferiu decisão, julgando improcedente a acusação contra os arguidos C e D e absolvendo-os, em consequência, da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de precursores, p.p. pela Lei nº 17/2009.

      No mesmo acórdão, foram condenados os arguidos A e B pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de precursores, p.p. pela Lei nº 17/2009, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, cada. O arguido B foi condenado, ao mesmo tempo, pela prática de um crime de emprego, p.p. pela Lei nº 6/2004, na pena de 5 meses de prisão. E, operando o cúmulo jurídico, foi o mesmo arguido condenado na pena única de 8 anos e 9 meses de prisão.

      Após a prolação da decisão a quo, o Ministério Público e os arguidos A e B interpuseram recursos junto do Tribunal de Segunda Instância.

      O Ministério Público entendeu que dos factos dados como provados é absolutamente razoável concluir segundo as regras de experiência comum que o arguido C bem sabia que a aludida fábrica era uma fábrica de produção de droga e ele se responsabilizava pela aquisição de matérias-primas químicas, equipamentos e instalações destinados à produção de drogas e praticou dolosamente a aludida conduta, porém, o tribunal a quo não se deu como provados os factos de que “o arguido B deixou o arguido C participar no plano de produção de droga, o arguido C agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente a aludida conduta e bem sabia que a sua conduta da participação na produção de droga era proibida e punida por lei”, razão pela qual existe manifestamente contradição entre os factos dados como provados e não provados pelo tribunal a quo e são incompatíveis entre si, e violou as regras de experiência comum na apreciação da prova, pelo que, a decisão do tribunal a quo enferma do vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal. Assim sendo, solicitou que o Tribunal de Segunda Instância revogasse o acórdão a quo na parte relativa ao arguido C e condenasse o arguido C numa pena adequada pela prática do crime que lhe foi imputado.

      O Tribunal de Segunda Instância entendeu que: de alguns factos provados pode-se concluir conforme as regras de experiência comum que o arguido C, segundo as orientações do 1.º e do 2.º arguidos, participou no plano de produção de droga, responsabilizando-se pela aquisição de matérias-primas químicas, equipamentos e instalações, porém, por outro lado, o tribunal a quo entendeu que não conseguiu dar como provados os seguintes factos: “Pelo menos desde segundo semestre de 2010, com o conhecimento do arguido A, o arguido B deixou o arguido C participar no aludido plano de produção de droga. (…)”, pelo que, existe contradição entre os factos dados como provados e não provados acima referidos, isto é, a decisão do tribunal a quo enferma do vício de contradição insanável da fundamentação previsto no artigo 400.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal e não do vício de erro notório na apreciação da prova sustentado pelo Ministério Público. Dado que nos autos não existem provas e condições suficientes para proferir uma decisão condenatória ou absolutória na parte relativa ao arguido C, impõe-se o reenvio do processo ao Tribunal Judicial de Base para novo julgamento nos termos do artigo 418.º do Código de Processo Penal, de forma a proceder ao novo julgamento na parte relativa ao arguido C, pelo que, são procedentes os fundamentos invocados pelo Ministério Público.

      No recurso, as questões suscitadas pelo recorrente A são: o direito ao silêncio do arguido, o erro notório na apreciação da prova, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a incriminação e a determinação da medida da pena enquanto as questões suscitadas pelo recorrente B no recurso são: o vício notório na apreciação da prova, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a incriminação e a determinação da medida da pena.

      O Tribunal de Segunda Instância entendeu: no que toca à questão da determinação da medida da pena suscitada no recurso interposto pelos recorrentes A e B, tendo em conta que se impõe o reenvio do processo ao Tribunal Judicial de Base para novo julgamento na parte relativa ao arguido C e o resultado do julgamento afectará a determinação da medida da pena do arguido B, este Tribunal não conhece neste momento dos fundamentos invocados pelos recorrentes no recurso quanto ao excesso na medida da pena que lhe foi imposta e só se determinará novamente a medida da pena dos recorrentes depois de o Tribunal Judicial de Base efectuar o novo julgamento na parte relativa ao arguido C.

      Face ao exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância acordou em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, não conhecendo dos fundamentos da determinação da medida da pena invocados pelos recorrentes A e B no recurso e julgando improcedentes os restantes fundamentos invocados pelos dois recorrentes. O Colectivo do Tribunal de Segunda Instância decidiu: reenviar o processo ao Tribunal Judicial de Base para novo julgamento na parte relativa ao arguido C nos termos do artigo 418.º do Código de Processo penal, impondo-se nova determinação da medida da pena dos recorrentes A e B.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 740/2012.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

15 de Dezembro de 2014