Situação Geral dos Tribunais

TSI reenviou o processo para novo julgamento por haver erro e contradição no acórdão recorrido quanto à apreciação da matéria de facto

      No dia 12 de Novembro de 2009, o arguido B, conduzindo um motociclo, não reparou que a ofendida C estava a atravessar a estrada empurrando um carrinho de mão, pelo que não chegou a travar o motociclo atempadamente e atropelou a ofendida, causando-lhe lesões. O Ministério Público acusou o arguido B pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência. A ofendida C deduziu pedido de indemnização civil, solicitando que fossem B e a Companhia de Seguros A condenados a pagar-lhe a quantia de MOP$230.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

      Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Judicial de Base apurou o seguinte: Através de apólice de seguro, foi transferida para a Companhia de Seguros A a responsabilidade civil emergente da circulação do motociclo conduzido por B. A Companhia de Seguros já pagou à ofendida uma indemnização no montante de MOP$28.055,00. Em 31 de Março de 2010, C assinou unilateralmente uma declaração de remissão de dívidas, na qual C apôs a sua impressão digital e E, rogado, assinou o seu nome “E”. Não consta da frente ou do verso dessa declaração o termo de autenticação, nem o logótipo do notário. O termo de autenticação lavrado pelo notário consta isoladamente dum outro papel, nele se mencionado: C exibiu a declaração escrita anexada e declarou estar inteirada do seu conteúdo, bem como a conformidade deste com a sua vontade.

      Por acórdão, o Tribunal Judicial de Base decidiu pela forma seguinte:

      1) Em sede penal, condenou o arguido B pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência p. e p. pelo art.º 142.º, n.º 3 do Código Penal, conjugado com o art.º 93.º, n.º 1 e o art.º 94.º, al. 1) da Lei do Trânsito Rodoviário, em 180 dias de multa, à taxa diária de MOP$80, perfazendo a multa global de MOP$14.400,00, convertível em 120 dias de prisão no caso de não ser paga nem ser substituída por trabalho. Mais condenou o arguido na pena acessória de inibição de condução por cinco meses.

      2) Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil por provada em parte a matéria de facto: condenou a Companhia de Seguros A a pagar à ofendida C o montante de MOP$19.638,50 a título de indemnização por danos patrimoniais, e o montante de MOP$56.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, os quais totalizam MOP$75.638,50. Deduzida quantia já paga, ainda deve a Companhia de Seguros pagar MOP$47.583,50, acrescido de juros legais desde a data do acórdão até ao integral pagamento.

      Inconformada, a Companhia de Seguros interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, invocando fundamentalmente que o Tribunal a quo, ao não reconhecer a força da declaração de remissão de dívidas assinada pela ofendida perante o notário, violou as disposições do Código do Notariado e as regras sobre o valor da prova vinculada. Pediu ao Tribunal ad quem para confirmar a força da declaração em causa, de modo a julgar improcedente o pedido de indemnização civil da demandante e, consequentemente, absolver a recorrente do pedido.

      Após o julgamento, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu o seguinte:

      Independentemente da força de documento autenticado da respectiva declaração, com base nos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, que incluem todo o conteúdo da declaração assinada pela ofendida, já se podia aplicar a lei. No entanto, o acórdão recorrido, na sua fundamentação, deu a seguinte explicação e conclusão: “conforme os factos provados nos autos, o montante da indemnização arrecadada pela ofendida corresponde aproximadamente ao prejuízo patrimonial que a ofendida sofreu com as despesas médicas, verificando-se, assim, erro grosseiro na respectiva declaração”, e com base nesse “erro essencial”, veio a anular a declaração da ofendida. Nestes termos, o Tribunal a quo, sem apoio nos factos provados, entendeu que existe erro grosseiro na declaração da ofendida. Se não se trata dum erro notório na apreciação da prova, é certo que existe contradição insanável na fundamentação, uma vez que o Tribunal a quo, tendoreconhecido que “foram pagas integralmente à ofendida as indemnizações por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais, ficando a mesma sem direito a qualquer outra indemnização”, já não podia concluir que “o montante de indemnização recebido pela ofendida cobre apenas os danos patrimoniais”.

      Tal erro e contradição existente no julgamento de facto faz o acórdão recorrido incorrer nos vícios previstos pelas alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal. O Tribunal de recurso, podendo embora pronunciar-se oficiosamente sobre a existência desses vícios, não tem condições para os sanar, devendo, nos termos do art.º 418.º do Código de Processo Penal, ser o processo reenviado para novo julgamento. Sem necessidade de análise exaustiva, são de anular o julgamento e o acórdão do Tribunal a quo.

      Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância concedeu, ex officio, provimento ao recurso interposto pela recorrente Companhia de Seguros A, anulou o acórdão a quo, e reenviou o processo para novo julgamento a realizar por um Colectivo composto por juízes que não haviam intervindo no acórdão recorrido, para proferir nova decisão após a correcção do respectivo erro e contradição.

      Cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 840/2011

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

05/01/2015