Situação Geral dos Tribunais

O cônjuge do lesado em acidente de viação não tem direito à indemnização por danos não patrimoniais próprios

     Em 7 de Setembro de 2009, a ofendida G conduziu um motociclo, que, na altura, transportava a ofendida A, na Ponte da Amizade, pela direcção Taipa-Macau. O arguido B conduziu um automóvel ligeiro e fez a ultrapassagem de trás da direita do motociclo. Na manobra de ultrapassagem, como o espaço entre o veículo do arguido B e o motociclo da ofendida G era estreito, o veículo do arguido embateu no motociclo da ofendida G, no fim o motociclo e as ofendidas G e A acabaram por cair na faixa da esquerda. Na altura, chegou de trás o camião pesado de mercadorias que tinha circulado sempre na faixa da esquerda, pela mesma direcção dos dois veículos referidos. O veículo de mercadorias pertence à D (empresa), era conduzido na altura pelo motorista, arguido C. Quando o arguido C constatou que o motociclo da ofendida G perdeu controlo e caiu na faixa da esquerda, já não conseguiu parar o veículo, a final, o veículo de mercadorias por ele conduzido atropelou na faixa da esquerda as ofendidas G e A que tinham quedado no chão. A conduta dos arguidos B e C provocou directamente o acontecimento do acidente, o falecimento da ofendida G, a lesão grave da ofendida A e os danos graves do motociclo da ofendida G.

     No que concerne à questão de indemnização civil, o Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância proferiram respectivamente decisões, porém, a ofendida A e o arguido B não se conformaram com elas e, em consequência, interpuseram recurso para o Tribunal de Última Instância.

     A 1ª demandante (ofendida A) suscitou as seguintes questões: Por manifesto lapso da decisão fez-se constar que o arguido B (1ª demandado) deve arcar com 10% da responsabilidade, mas de toda a fundamentação e decisão resulta que o que se pretendia era assacar-lhe 100% da responsabilidade pelo acidente, pelo que deve ser rectificado o lapso; da matéria provada resulta que o 2º demandado (arguido C) também deu causa ao acidente, pelo que há erro notório na apreciação da prova na sua absolvição cível, devendo ser solidariamente condenado com o 1º demandado; consequentemente, devem também ser solidariamente condenados a 3ª demandada D (empresa), enquanto comitente e proprietária do veículo conduzido pelo 2º demandado e a 4ª demandada E (companhia de seguros), a sua seguradora.

     O 1º demandado (arguido B) suscitou as seguintes questões: A vítima fatal deve ser imputada 30% da responsabilidade do acidente; não deve ser fixado um valor superior a MOP600.000,00 pela perda do direito à vida da vítima fatal; são excessivas as indemnizações por danos não patrimoniais fixadas aos três familiares da vítima fatal; o marido da lesada não tem direito a ser ressarcido por danos não patrimoniais face aos danos sofridos pela lesada e, tendo-o, deve ser reduzido para MOP150.000,00 o montante fixado.

     O Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância apreciou, individualmente, as supramencionadas questões.

     1. Responsabilidade pelo acidente

     O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, julgou que o 1º demandado era o exclusivo responsável pelo acidente dos autos mas, por mero lapso de escrita, fez constar no dispositivo que tal responsabilidade era de 10%, quando, manifestamente, queria dizer ser de 100%, pelo que se rectifica tal lapso.

     A condutora do motociclo conduzia pela meia faixa direita da via e, portanto, em contravenção das regras estradais que impõem se circule pela esquerda, salvo para ultrapassar ou para mudar de direcção, contudo, a aludida contravenção não foi a causa do acidente e, por isso, é totalmente irrelevante para efeitos de apurar a culpa na produção do acidente. Não se pode, pois, imputar culpa no acidente à condutora do motociclo. Por outro lado, o condutor do veículo pesado (2º demandado) que seguia atrás do veículo ligeiro, mas na metade esquerda da faixa de rodagem e que acabou por atropelar as duas pessoas que vinham no motociclo e que tombaram do lado direito para o lado esquerdo da faixa de rodagem, nenhuma culpa teve na produção do acidente.

     2. Da responsabilidade pelo risco

     Se também respondem civilmente a proprietária do veículo pesado e a seguradora, isto estava dependente de o 2º demandado também ser julgado responsável pelo acidente. Como não foi, a questão está prejudicada. Improcede a imputação de responsabilidade pelo risco à proprietária do veículo e à sua seguradora.

     3. Se o terceiro reflexamente prejudicado é titular do direito à indemnização

     Quanto à questão de se o marido da lesada (ofendida A) tem direito a ser ressarcido por danos não patrimoniais por danos próprios resultantes dos danos sofridos pela lesada, o Tribunal de 1ª Instância decidiu que não, o acórdão recorrido decidiu afirmativamente, invocando a norma geral do n.º 1 do artigo 489º do Código Civil, atribuindo-lhe, portanto, a indemnização de MOP250.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

     Entende o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância que, em geral, só o titular do direito violado tem direito à indemnização, obviamente, sem prejuízo dos casos concretos previstos na lei em que esta se desvia da mencionada regra. Se a lei estabeleceu apenas alguns poucos casos em que a titularidade do direito a indemnização se estende a outrem que não ao lesado directo, não parece legítimo que seja o juiz a estender a excepção a novos casos, por mais legítimos que sejam os interesses que estejam na sua base, até porque as normas excepcionais, como é o caso, não comportam aplicação analógica (artigo 10º do Código Civil). Afigura-se, assim, que o cônjuge da lesada em acidente de viação não tem direito a ser indemnizado pelo causador do acidente por danos não patrimoniais próprios. Não é, portanto, uma questão de legitimidade processual, mas de direito substantivo, de mérito da causa.

     Face ao expendido, o Tribunal Colectivo decidiu: Rectificar o lapso manifesto do dispositivo do acórdão recorrido, por forma a constar do mesmo acórdão que o 1º demandado teve 100% da responsabilidade do acidente dos autos; negar provimento ao recurso interposto pela 1ª demandante; negar provimento ao recurso interposto pelo 1º demandado, excepto na parte em que se decide que o marido da lesada não tem direito a ser ressarcido por danos não patrimoniais próprios.

     No Tribunal de 1ª Instância proceder-se-ia à repetição parcial do julgamento nos termos decididos pelo acórdão recorrido.

     Cfr. o acórdão do processo n.º 111/2014 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/01/2015