Situação Geral dos Tribunais

Trabalhadores não residentes solicitaram ao seu ex-empregador as diferenças salariais e subsídios e venceram

      Há algum tempo atrás, o Tribunal de Segunda Instância proferiu decisões em segunda instância relativas a um conjunto de processos de recurso laboral, nos quais os trabalhadores não residentes solicitaram ao seu ex-empregador as diferenças salariais e diversos subsídios e compensações. Seguem-se as circunstâncias concretas:

      A Guardforce (Macau) Ltd. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância e transporte e valores. Desde 1992, para contratar trabalhadores não residentes, a referida sociedade celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., que é uma sociedade dedicada exclusivamente ao serviço de fornecimento de trabalhadores não residentes, diversos contratos de prestação de serviços, dispondo relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores, à remuneração e aos deveres dos trabalhadores, ao horário de trabalho e alojamento, entre outros. Tais contratos também foram apresentados à Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para efeitos de obter quotas para contratação de trabalhadores não residentes.

      A, B, C e D são trabalhadores não residentes recrutados pela Guardforce (Macau) Ltd. para exercer a função de guarda da segurança, conforme o contrato de prestação de serviços n.º 02/94, celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. em 3 de Janeiro de 1994, nos termos do qual a Guardforce (Macau) Ltd. iria pagar aos trabalhadores, pelo menos, a quantia de MOP$90 por dia a título de salário, e a quantia de MOP$15 por dia a título de subsídio de alimentação; bem como um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior os trabalhadores não tivessem dado qualquer falta ao serviço; os trabalhadores deviam trabalhar 8 horas por dia, e a remuneração de trabalho extraordinário seria fixada segundo as leis de Macau.

      Porém, nos contratos de trabalho individual celebrados entre a Guardforce (Macau) Ltd. e A, B, C e D, a Guardforce (Macau) Ltd. não lhes deu o supracitado tratamento. Entre 12 de Novembro de 2004 e 31 de Maio de 2008, período em que A prestou serviços para a referida sociedade, A recebeu sucessivamente a título de salário, quantias mensais de MOP$2.000,00, MOP$2.100,00 e MOP$2.288,00, bem como as remunerações de trabalho extraordinário à razão de MOP$11, MOP$11,30 e MOP$11,50 por hora; entre 1 de Janeiro de 1996 e 31 de Março de 2002, período em que B prestou serviços para a referida sociedade, B recebeu sucessivamente a título de salário, quantias mensais de MOP$1.700,00, MOP$1.800,00 e MOP$2.000,00, bem como as remunerações de trabalho extraordinário à razão de MOP$8 e MOP$9,30 por hora; entre 7 de Fevereiro de 1994 e 31 de Agosto de 2010, período em que C prestou serviços para a referida sociedade, C recebeu sucessivamente a título de salário, quantias mensais de MOP$1.500,00, MOP$1.700,00, MOP$1.800,00, MOP$2.000,00, MOP$2.100,00 e MOP$2.288,00, bem como as remunerações de trabalho extraordinário à razão de MOP$8, MOP$9,30, MOP$10 e MOP$11 por hora; e entre 2 de Maio de 1994 e 15 de Janeiro de 2003, período em que D trabalhou para a referida sociedade, D recebeu sucessivamente a título de salário, quantias mensais de MOP$1.500,00, MOP$1.700,00, MOP$1.800,00 e MOP$2.000,00, bem como as remunerações de trabalho extraordinário à razão de MOP$8, MOP$9,30, MOP$10 e MOP$11 por hora, todos inferiores ao critério fixado no contrato n.º 02/94 acima referido. Além disso, a Guardforce (Macau) Ltd. nunca pagou a estas 4 pessoas qualquer compensação a título de subsídio de efectividade, subsídio de alimentação ou descanso semanal.

      Após o termo da relação laboral com a Guardforce (Macau) Ltd., A, B, C e D intentaram respectivamente acções junto do Tribunal Judicial de Base, pedindo para condenar a Ré a pagar-lhes as diferenças salariais e de remuneração de trabalho extraordinário, além das compensações dos subsídios de alimentação, de efectividade e de descanso semanal. O TJB julgou, em sede de 4 processos diferentes, parcialmente procedentes as acções intentadas pelos Autores, condenando a Guardforce (Macau) Ltd. a pagar respectivamente a A, B, C e D as quantias de MOP$48.695,63, MOP$169.267,37, MOP$254.832,56 e MOP$233.024,98.

      Inconformados, a Guardforce (Macau) Ltd. e B interpuseram recursos ao TSI.

      O TSI procedeu à qualificação jurídica dos “contratos de prestação de serviços” celebrados entre a Guardforce (Macau) Ltd. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., considerando-os como “contratos a favor de terceiros” previstos pelo art.º 437.º do Código Civil. Por meio desses contratos, a Guardforce (Macau) Ltd., na qualidade de promitente, comprometeu-se perante o promissário, ou seja a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., a atribuir uma vantagem ao terceiro (trabalhador não residente) estranho ao negócio, isto é, celebrar contratos de trabalho com os trabalhadores não residentes de acordo com o mínimo das condições salariais e de bem-estar anteriormente acordadas. Nos termos do art.º 438.º, n.º 1 do mesmo Código, os trabalhadores não residentes, na qualidade de beneficiários dos contratos, adquirem direito à prestação, independentemente de aceitação. A Guardforce (Macau) Ltd. não celebrou com A, B, C e D contratos de trabalho individual em conformidade com as condições acordadas com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., pelo que é obrigada a pagar-lhes as diferenças salariais.

      Quanto à compensação de trabalho extraordinário, o TSI entende que apesar de o Decreto-Lei n.º 24/89/M não ter previsto concretamente sobre a forma ou o modo de fixação do valor dessa compensação, isto não representa uma livre fixação. Tendo em conta o princípio do mais favorável previsto pelo art.º 5.º do mesmo Decreto-Lei, não pode o valor da remuneração de cada hora extra do trabalho ser inferior a 1/8 do valor do salário diário (MOP$11.25) acordado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.. Por isso, a Ré tem de pagar as diferenças correspondentes.

      Em relação ao subsídio de alimentação, o TSI entende que tal subsídio visa para compensar os trabalhadores não residentes das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, razão pela qual os trabalhadores só têm direito a este subsídio nos dias em que trabalham efectivamente. Por as sentenças do TJB terem calculado este subsídio com base no número dos dias da duração do contrato laboral em vez de número dos dias de trabalho efectivamente prestados, devem ser alteradas.

      No respeitante ao subsídio de efectividade, o TSI entende que as faltas justificadas não devem fundamentar o não pagamento do subsídio de efectividade. Tendo em conta que A, B, C e D nunca faltou ao serviço sem conhecimento ou autorização prévia da Ré, eles têm direito ao subsídio de efectividade.

      Por fim, quanto à compensação de descanso semanal, o TSI adopta a jurisprudência que tem sempre seguido, entendendo que segundo o princípio de “trabalho igual, salário igual”, o art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M aplica-se por analogia à compensação do trabalho prestado em descanso semanal pelos trabalhadores não residentes. No prazo da duração dos contratos, A, B, C e D nunca gozaram qualquer dia de descanso semanal, pelo que nos termos do art.º 17.º, n.º 6, devem receber, para além dos salários já pagos pela Ré, o dobro do salário de um dia normal.

      Pelos expostos, o TSI anulou a fixação do subsídio de alimentação nas sentenças do TJB, passou a decidir liquidar em execução da sentença o montante concreto conforme o número dos dias de trabalho efectivo, concedeu provimento ao recurso interposto por B do valor da compensação de descanso semanal, e procedeu à alteração correspondente, mantendo as restantes partes das sentenças.

      No ano passado, o TSI concluiu no total 69 processos semelhantes, encontrando-se ainda pendentes 19 processos.

      Cfr. Acórdãos do TSI, nos Processos n.º 414/2012, n.º 687/2013, n.º 118/2014 e n.º 680/2013.

 

Gabinete do Tribunal de Última Instância

02/03/2015