Situação Geral dos Tribunais

O acto administrativo anulável só pode ser impugnado dentro do prazo legal de interposição de recurso contencioso

       De 26 de Dezembro de 1990 a 31 de Maio de 1991, a recorrente exerceu funções de interno do internato geral, em regime de contrato além do quadro, na Direcção dos Serviços de Saúde. Desde 1 de Junho de 1991, exerceu funções de médico de clínica geral, em regime de contrato além do quadro. De 1 de Abril de 1993 a 31 de Março de 1999, exerceu funções de interno do internato complementar, em regime de contrato além do quadro. Desde 1 de Abril de 1999, exerceu funções de assistente hospitalar, 1º escalão, em regime de contrato além do quadro. Desde 17 de Dezembro de 1999, foi nomeada provisoriamente para a categoria de assistente hospitalar, 1º escalão. Desde 17 de Dezembro de 2001, foi nomeada definitivamente para a categoria de assistente hospitalar, 1º escalão.

       Em 24 de Fevereiro de 2000, o Fundo de Pensões autorizou o pedido de inscrição da recorrente, apresentado pela Direcção dos Serviços de Saúde, o que produz efeito a partir de 17 de Dezembro de 1999.

       Em 29 de Dezembro de 2006, a recorrente requereu ao Conselho de Administração do Fundo de Pensões a consideração do período de 26 de Dezembro de 1990 a 16 de Dezembro de 1999, como tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência, bem como a constituição dos débitos para a compensação de aposentação e pensão de sobrevivência.

       Em 16 de Março de 2010, o Conselho de Administração do Fundo de Pensões indeferiu o pedido apresentado pela recorrente que requeria a constituição dos débitos para a compensação de aposentação e pensão de sobrevivência, referentes ao período de 26 de Dezembro de 1990 a 16 de Dezembro de 1999. A recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.

       Em 24 de Abril de 2013, o Tribunal Administrativo proferiu sentença que julgou improcedente o recurso interposto. Inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

       No entendimento do Tribunal de Segunda Instância: pelas razões abaixo expostas, conclui-se que, nos termos da lei, é impossível que a recorrente peça a contagem retroactiva do tempo de serviço para efeitos de aposentação a partir de 26 de Dezembro de 1990, através da interposição de recurso contencioso.

       À luz da doutrina mencionada na jurisprudência autoritária, o processamento de vencimento, incluindo os descontos efectuados no vencimento, tem natureza de acto administrativo. Tanto nos termos do art.º 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso vigente como nos termos do art.º 39º do Decreto-Lei n.º 23/85/M que foi aplicado antes da entrada em vigor do aludido Código em 20 de Dezembro de 1999, o acto administrativo anulável só pode ser impugnado dentro do prazo legal de interposição de recurso contencioso, senão este, mesmo que padeça de vício de anulabilidade, será automaticamente sanado na ordem jurídica por ter sido decorrido o prazo legal de interposição de recurso contencioso e por falta de interposição de recurso contencioso para o Tribunal Administrativo para requerer a anulação do mesmo, tornando-se acto administrativo plenamente válido, ou seja, caso consolidado na ordem jurídica.

       Assim sendo, mesmo que o serviço que se responsabilizava, na dada altura, pelo processamento de vencimento, violasse a norma legal por omissão, e esta ilegalidade fosse simplesmente um acto anulável mas não nulo, nos termos do art.º 39º do Decreto-Lei n.º 23/85/M, de 23 de Março, o prazo legal de interposição de recurso contencioso de anulação de acto administrativo seria 45 dias.

       Na verdade, a recorrente não só declarou em 19 de Maio de 1999 que não pretendia proceder aos descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência, mas também, no período de 26 de Dezembro de 1990 a 17 de Dezembro de 1999, através dos documentos designados vulgarmente por notas de abonos que foram recebidos mensalmente, tomou conhecimento de que não existiam contestação nem impugnação deduzidas por meio de recurso hierárquico administrativo ou recurso contencioso em 108 actos de processamento de vencimento.

       Por conseguinte, o acto administrativo relacionado com o processamento de vencimento sem ter sido efectuado desconto para efeitos de aposentação e sobrevivência foi consolidado na ordem jurídica, sendo inimpugnável. Em suma, é inimpugnável a situação jurídica respeitante à não realização de descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência no respectivo período. Sem dúvida nenhuma, já no início do ano de 2000 se tornou caso consolidado na ordem jurídica o facto de a recorrente não proceder mensalmente aos descontos das contribuições ao Fundo de Pensões nos vencimentos do período de 26 de Dezembro de 1990 a 16 de Dezembro de 1999 para efeitos de aposentação e sobrevivência. Tal caso consolidado corresponde ao caso julgado na decisão judicial.

       Como já se tornou caso julgado o facto de a recorrente não proceder aos descontos nos vencimentos do período em apreço para efeitos de aposentação e sobrevivência, este Tribunal não necessita de apreciar quaisquer razões de facto e de direito apresentadas pela recorrente para concretizar indirectamente o seu objectivo final que é o processamento dos descontos retroactivos, já que são nulos os actos administrativos que ofendam os casos julgados – vide alínea h) do art.º 122º do Código do Procedimento Administrativo.

       Face ao expendido, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância negou procedência ao recurso ora interposto pela recorrente por supracitadas razões, mantendo a decisão a quo proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou improcedente o recurso contencioso.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 516/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/03/2015