Situação Geral dos Tribunais

Tribunal de Última Instância indeferiu o procedimento cautelar da restituição provisória da posse por o não pagamento de rendas não ser suficiente para inverter o título da posse

      A requerente A é dona e titular do Hotel San Va, tendo ela e os seus antepassados ocupado e utilizado há vários anos os prédios correspondentes aos n.ºs 65, 65-A e 67 da Rua da Felicidade e aos n.ºs 13, 15 e 17 do Pátio da Felicidade, e aí explorado o Hotel San Va e sempre pago uma quantia mensal à Companhia B, relativamente ao n.º 67. Na década de 50, o pai da requerente, H, arrendou o rés-do-chão do n.º 65 ao avô de G, a fim de aquele aí explorar um café, e cobrou-lhe rendas. Em 15 de Julho de 2006, ocorreu no Pátio da Felicidade um incêndio. Após o incêndio, A solicitou que a Companhia B promovesse obras de recuperação dos n.ºs 13, 15 e 17 do Pátio da Felicidade, porém, o seu pedido foi recusado, pelo que, desde Maio de 2007, A deixou de pagar as quantias mensais à Companhia B. Em 7 de Junho de 2012, G e a Companhia B celebraram um contrato de arrendamento do rés-do-chão do n.º 65, e a partir daí, G deixou de pagar as rendas à A mas sim passou a pagar as rendas à Companhia B. Em 2013, depois de deixar de explorar a loja do rés-do-chão do n.º 65, G devolveu o referido rés-do-chão à Companhia B e colocou à porta um cadeado exterior para, desta forma, impedir o acesso de outras pessoas. Em 27 de Setembro de 2013, para defender os seus próprios direitos, A também colocou um outro cadeado na porta do n.º 65. Em 19 de Outubro de 2013, F cortou o cadeado que A havia colocado na porta, entrou várias vezes no n.º 65 em conjunto com outras pessoas e desenvolveu trabalhos e obras de construção civil no referido rés-do-chão.

      Em 22 de Novembro de 2013, A intentou para o Tribunal Judicial de Base um procedimento cautelar contra a Companhia B, C, D e E, administradores da Companhia B, e F, pedindo que fosse ordenado que os requeridos lhe restituíssem a posse do rés-do-chão do n.º 65 da Rua da Felicidade.

      O Tribunal Judicial de Base proferiu a decisão em 12 de Dezembro de 2013, deferindo o pedido de restituição temporária da posse.

      Inconformados com o assim decidido, os requeridos interpuseram recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

      O Tribunal de Segunda Instância entendeu que seja qual for a natureza da quantia mensal que a requerente A sempre pagou até Abril de 2007 à Companhia B, a requerente A, no momento da instauração do presente procedimento cautelar, já está a exercer a posse do n.º 65, uma vez que mesmo que a requerente seja apenas a arrendatária até Abril de 2007, conforme as circunstâncias de a partir de Maio ter deixado de pagar as rendas mas continuar a exercer os poderes empíricos sobre o n.º 65 e cobrar a G rendas do referido rés-do-chão, a requerente já tem o animus possidendi, passando de um simples detentor a ser um verdadeiro possuidor por inversão do título da posse. Dado que em 19 de Outubro de 2013 o requerido F cortou o cadeado que a requerente A havia colocado na porta do n.º 65, entrando nele várias vezes com outros requeridos, desenvolvendo trabalhos e obras de construção civil no referido rés-do-chão, esbulhando de forma violenta a posse da requerente A sobre o n.º 65, e por sua vez, a requerente A instaurou tempestivamente o procedimento cautelar dentro de um ano após o esbulho, razões pelas quais o referido procedimento cautelar deve ser deferido. estes termos, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso e manteve a decisão do Tribunal Judicial de Base que decretou a restituição da posse à requerente A.

      Ainda não inconformados, os requeridos interpuseram recurso para o Tribunal de Última Instância.

      Conhecendo do processo, o Tribunal de Última Instância apontou que a requerente A do presente processo pediu a restituição da posse da propriedade do domínio útil do prédio n.º 65, porém, esta limitou-se a alegar os conceitos de direito respeitantes à posse da loja do prédio n.º 65, sem alegar os factos concretos que integrem a posse pública e pacífica do direito de propriedade do domínio útil do prédio n.º 65, portanto, tais factos não se provaram, estando a sua pretensão votada ao insucesso.

      Por outro lado, também não se pode entender que a requerente adquiriu a posse por inversão do título da posse, pois o detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía a sua intenção de actuar como titular do direito e só assim se pode inverter o título da posse. No caso em apreço, apesar de a requerente ter deixado de pagar as rendas desde Maio de 2007, por um lado, as referidas rendas referiam-se apenas ao prédio com o n.º 67 e não o n.º 65, e por outro lado, a requerente nunca disse ao senhorio, nem a ninguém, que ela deixou de pagar as rendas por considerar que ela já não é a arrendatária mas sim passa a ser a dona do local arrendado, pelo que, não é suficiente para despoletar o funcionamento do instituto da inversão do título da posse.

      Pelas razões acima apontadas, o Tribunal de Última Instância julgou procedente o recurso interposto pelos requeridos, anulou o acórdão recorrido e indeferiu o procedimento cautelar da restituição provisória da posse do rés-do-chão do prédio n.º 65 da Rua da Felicidade instaurado pela requerente contra os requeridos.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 513/2014, e Acórdão do Tribunal de Última Instância, Processo n.º 2/2015.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

09 de Março de 2015