Situação Geral dos Tribunais

O regime disciplinar previsto no Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau não se aplica ao pessoal da Polícia Judiciária

      Por não estar contente com os seus superiores hierárquicos, o recorrente A, investigador criminal de 2ª classe da Polícia Judiciária, fez, em conjunto com terceiros, telefonemas aos chefes e familiares destes durante o período entre Julho de 2008 e Janeiro de 2009, nos quais insultando-os com palavrões. Além disso, mandaram-lhes mensagens de injúria e ameaça, estas condutas tinham causado danos morais aos ofendidos.

      Em 20 de Junho de 2012, o Tribunal Judicial de Base de Macau proferiu decisão, condenando A pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de quatro crimes de injúria qualificada, dois de ameaça e três de ofensa à integridade física qualificada, na pena de dois anos e nove meses de prisão após realizado o cúmulo jurídico das penas, cuja execução é suspensa por três anos.

      Com base na referida decisão, o Director da Polícia Judiciária abriu um processo disciplinar contra A, no qual o Secretário para a Segurança proferiu despacho em 22 de Março de 2013, aplicando-lhe a pena de demissão, ao abrigo do artigo 315º, nºs 1 e 2, al. o) (2ª parte) e artigo 305º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).

      Inconformado, A interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância com os seguintes fundamentos: 1) o acto recorrido aplicou a pena de demissão ao recorrente pelo motivo de que o recorrente “perdeu completamente a conduta profissional e moral que o agente de investigação criminal e funcionário público devem possuir”. Porém, a perda da conduta profissional e moral é mesmo o pressuposto para a aplicação da pena de aposentação compulsiva, previsto no artigo 239º, nº 1 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM). Ademais, a pena aplicada é excessiva, o que violou o princípio da proporcionalidade e, consequentemente, é anulável o acto recorrido. 2) O acto recorrido é nulo por falta de fundamentação.

      Apreciado o recurso, o tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância apontou, quanto ao primeiro fundamento invocado, que não foi citado em lado nenhum pela entidade administrativa o normativo do artigo 239º, nº 1 do EMFSM para fundamentar a aplicação da pena de demissão e tal Estatuto não se aplica ao pessoal da Polícia Judiciária porque este não se enquadra nos artigos 1º e 2º do mesmo Estatuto. Por sua vez, na lei orgânica da Polícia Judiciária, não remissão expressa para o regime disciplinar consagrado no EMFSM. Ao pessoal da Polícia Judiciária são aplicáveis os artigos 50º e 51º do Decreto-Lei nº 27/98/M e o disposto em matéria disciplinar no ETAPM. No que diz respeito à proporcionalidade da pena disciplinar aplicada, indicou o tribunal colectivo que a aplicação do direito criminal e do direito disciplinar da função pública pelos tribunais, obedece a princípios radicalmente diversos. O primeiro é o exercício de poderes de plena jurisdição e o último é de mera anulação, o Tribunal só pode examinar se a autoridade administrativa exerceu adequadamente o seu poder. Na presente causa, o recorrente não conseguiu abalar os pressupostos de punição disciplinar previstos no artigo 315º do ETAPM, nem o Tribunal detectou que houve erro grosseiro ou manifesto ou foram infringidos os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da boa-fé, não é sindicável judicialmente a opção pela pena de demissão.

      Relativamente ao segundo fundamento, entende o tribunal colectivo que se considera cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas. In casu, o mesmo acto em si encerra os fundamentos de facto e de direito que permitam as partes e tribunal conhecerem o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação concreta da pena aplicada. Nesta conformidade, considera-se cumprido o dever de fundamentação, não se verificando o vício invocado pelo recorrente.

      Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância negou o provimento ao recurso contencioso interposto, mantendo o acto administrativo que aplicou ao recorrente a pena de demissão.

      Cfr. acórdão proferido no processo nº 247/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

16/03/2015