Situação Geral dos Tribunais

Não se dão como provados factos criminosos ocorridos no exterior de Macau apenas com base em relatório elaborado pela entidade policial do exterior de Macau

      Os dois arguidos A e B eram membros de um grupo de falsificação de cartões de crédito transnacional que, após terem adquirido e verificado, junto dos dirigentes do grupo, os dados informáticos de respectivos cartões de crédito, produziam em Shenzhen cartões de crédito falsos e usavam pessoalmente tais cartões de créditos falsos para fazer compras (pessoas essas designadas vulgarmente por “pilotos”), ou arranjavam outras pessoas para fazer compras com tais cartões de crédito falsos (designados vulgarmente como “coordenadores”), revendendo os objectos adquiridos, a fim de obter interesses ilegais.

      Durante os dias 2 a 4 de Junho de 2013, os dois arguidos e “D”, dividindo tarefas entre si, usavam conjuntamente cartão de crédito falso para fazer compras em Macau, tendo obtido com sucesso os produtos e serviços de consumo no valor total de MOP10.614.

      O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 6 de Junho de 2014, condenou os arguidos A e B, pela prática em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real de um crime de contrafacção de moeda, previsto e punível pelos artigos 252.º, n.º 1 e 257.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, quatro crimes de passagem de moeda falsa, previstos e puníveis pelos artigos 255.º, n.º 1, alínea a) e 257.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, por cada um. Foram ainda, condenados pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de passagem de moeda falsa, previsto e punível pelos artigos 255.º, n.º 1, alínea a) e 257.º, n.º 1, alínea b), 22.º, n.º 2 e 67.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foram condenados na pena única de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de prisão.

      O Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 16 de Dezembro de 2014, deu parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, alterando a pena de um crime de contrafacção de moeda, previsto e punível pelos artigos 252.º, n.º 1 e 257.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, para 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, mantendo as penas dos restantes crimes e, em cúmulo jurídico, condenando-os na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.

      Ainda inconformados, recorrem os arguidos para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões: “O acórdão recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova porque deu como provados factos relativos ao crime de contrafacção de moeda com base em meras informações da Polícia do Interior da China. A pena aplicada ao mesmo crime é excessiva, devendo ser aplicada uma pena inferior. Em cúmulo jurídico não devem ser condenados em pena superior a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

      O entendimento do TUI: “Os factos dados como provados relativos à co-autoria material do crime de contrafacção de moeda, previsto e punível pelos artigos 252.º, n.º 1 e 257.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, foram todos praticados no Interior da China. Nada a apontar à punição por crime praticado no exterior de Macau, face ao que dispõe o artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

      A questão que se põe é quanto aos meios de prova utilizados para dar como provados os factos.

      O que resulta da fundamentação do acórdão de primeira instância é que o elemento fundamental foi o relatório enviado por autoridade policial do Interior da China indicando que os dois arguidos fazem parte do grupo que procedeu à contrafacção dos cartões de crédito. Não foi encontrado em poder dos arguidos em Macau qualquer instrumento utilizado na contrafacção dos cartões de crédito. Não foi ouvido em audiência qualquer membro das forças policiais do Interior da China. As testemunhas da Polícia Judiciária de Macau não se deslocaram ao Interior da China, não inquiriram nenhuma pessoa com intervenção em tais factos, pelo que o seu conhecimento da matéria em causa só se podia resumir à leitura do aludido relatório, sendo certo que os arguidos não confessaram os factos. Em conclusão, o Tribunal deu como provados os factos atinentes ao crime de contrafacção dos cartões de crédito com base apenas num relatório enviado por autoridade policial do Interior da China, indicando que os dois arguidos fazem parte do grupo que procedeu à contrafacção dos cartões de crédito. Este procedimento é contrário ao disposto no artigo 336.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, segundo os quais não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Ressalvam-se apenas do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes. Ora, a leitura do relatório policial não aconteceu em audiência nem seria possível processualmente. Logo, houve erro notório na apreciação da prova ao dar-se como provados tais factos e ao condenar-se os arguidos em co-autoria material, na forma consumada, pelo crime de contrafacção de moeda, previsto e punível pelos artigos 252.º, n.º 1 e 257.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal. Procede o recurso.

      Quanto à pena aplicada depois de operado o cúmulo jurídico, disse o tribunal colectivo do TUI que “atentos os factos provados e o disposto no artigo 72.º, n.º2, do Código Penal, afigura-se ajustada a pena de 4 (quatro) anos de prisão.

      Face ao expendido, o TUI julgou parcialmente procedente o recurso, absolvendo os arguidos da prática, em co-autoria material e na forma consumada, do crime de contrafacção de moeda, previsto e punível pelos artigos 252.º, n.º 1 e 257.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal. Efectuando-se o cúmulo jurídico das demais penas impostas, foram os dois arguidos condenados na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.

      Cfr. acórdão proferido no processo nº 12/2015 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

19/3/2015