Situação Geral dos Tribunais

Arguido condenado pela permissão ilícita de utilização de gravações viu o seu recurso a ser rejeitado pelo TSI

        O recorrente (1º arguido), o 2º arguido e a 3ª arguida eram todos ex-empregados da C. Nos dias 20 e 21 de Agosto de 2002, a Comissão Disciplinar da C realizou um inquérito disciplinar ao recorrente e ao 2º arguido por suspeitá-los de terem gozado férias de forma irregular em 14 de Agosto de 2002, solicitando-lhes que dessem justificação. Na altura, estavam presentes no inquérito os membros da Comissão Disciplinar H, I, J, G, F e K. Em 20 de Agosto de 2002, pelas 17h, o recorrente e o 2º arguido pediram respectivamente à Comissão Disciplinar a gravação do inquérito, ao que respondeu H em nome da Comissão Disciplinar, permitindo oralmente ao recorrente e ao 2º arguido gravarem o inquérito, apontando, porém, que o inquérito, enquanto procedimento disciplinar interno da própria Empresa, tinha natureza secreta, daí ser proibido revelar ao público a identidade dos indivíduos presentes ou o conteúdo das conversas respectivas, salvo consentimento expresso de ambas as partes. Em seguida, realizou-se o procedimento.

        Depois disso, o recorrente e o 2º arguido, sem consentimento da Comissão Disciplinar, entregaram, respectivamente, as cassetes com gravações do referido inquérito disciplinar à 3ª arguida e permitiram-lhe divulgar o conteúdo das cassetes. No dia 21 de Agosto de 2002, à tarde, os “Familiares dos Trabalhadores da C” realizaram um colóquio, no qual a responsável pelo colóquio (i.e., a 3ª arguida) exibiu publicamente as gravações do inquérito disciplinar do recorrente, falando também da identidade dos indivíduos em conversa. No dia 22 de Agosto de 2002, à tarde, num colóquio organizado pelos “Familiares dos Trabalhadores da C”, a responsável pelo colóquio (i.e., a 3ª arguida) exibiu ao público as gravações de inquérito disciplinar que lhe foram entregues pelo recorrente e o 2º arguido.

        Em 3 de Novembro de 2010, o recorrente foi condenado pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de permissão ilícita de utilização de gravações, previsto e punível pelo Código Penal, na pena de multa de 75 dias, à taxa diária de MOP$100, perfazendo a multa global de MOP7.500, convertível em 50 dias de prisão no caso de não ser paga nem substituída por trabalho. Inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando ao Tribunal a quo essencialmente a existência de erro notório na apreciação da prova e a não provação do dolo do recorrente.

        Entendeu o Tribunal Colectivo do TSI, em síntese, o seguinte: Analisadas em concreto as respectivas provas, verifica-se que o Tribunal a quo, para além de ter ouvido o recorrente, ainda ouviu as testemunhas no processo durante a audiência de julgamento, e apreciou os documentos carreados aos autos. Tendo analisado objectivamente as diferentes provas supracitadas, o Tribunal a quo, ao abrigo do princípio da livre convicção, formou a convicção de que o recorrente praticou o crime de gravações e fotografias ilícitas. Tendo embora o recorrente negado ter agido com dolo, vimos que o recorrente, bem sabendo que o inquérito em causa tinha carácter não público e secreto, não deixou de entregar as gravações à 3ª arguida sem consentimento da Comissão Disciplinar. Após analisadas as provas acima aludidas, atentas também as regras da experiência comum, pode concluir-se razoável e facilmente que não existe erro notório na convicção do Tribunal a quo de que o recorrente cometeu o crime em apreço. No caso vertente, o Tribunal a quo, na apreciação da prova, não violou nenhuma das regras supramencionadas ou das regras da experiência comum, pelo que não pode o recorrente, com base unicamente no seu entendimento pessoal, questionar a convicção formada pelo Tribunal a quo.

        Está previsto no art.º 191.º do Código Penal: “1. Quem, sem consentimento, a) gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas, ou b) utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.”

        No caso dos autos, o recorrente negou que tenha agido com dolo, argumentando a seu favor a falta de cuidado, a intenção de salvaguarda de direitos e a inexistência do animus nocendi. Todavia, tal como manifestou o Tribunal a quo: “a falta de cuidado, a intenção de salvaguarda de direitos e a inexistência do animus nocendi argumentadas pelos três arguidos não se afiguram desculpáveis a este Tribunal Colectivo, não excluindo, portanto, a ilicitude do facto por eles praticados ou o dolo com que agiram ao tornarem público o teor das gravações quando sabiam bem que não tinham obtido para o efeito o consentimento dos interessados.” Da factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo resulta claro que a conduta do recorrente preenche os elementos subjectivos e objectivos integrantes desse crime, e que, por isso, não se verifica erro na interpretação feita pelo Tribunal a quo da disposição da al. b) do n.º 1 do art.º 191.º do Código Penal.

        Nos termos acima expostos, acordaram no TSI em rejeitar o recurso interposto pelo recorrente, pela manifesta improcedência.

        Vide o Acórdão do TSI, processo n.º 14/2011.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

24/03/2015