Situação Geral dos Tribunais

Por incorrer no vício de conhecimento de facto, um processo de crime de emprego ilegal foi reenviado para novo julgamento

      O 1º arguido A é explorador do estabelecimento de sopas doces XX. A 2ª arguida B é residente do Vietname, entrou legalmente em Macau em 20 de Agosto de 2011 com o passaporte do Vietname, e foi autorizada a permanecer legalmente em Macau até 3 de Setembro de 2011. A 3ª arguida C é a sogra do 1º arguido. No dia 23 de Agosto de 2011, o 1º arguido, através da Sociedade de Recursos Humanos E, Limitada, requereu ao Governo da RAEM a concessão do título de identificação de não-residente a B, para que esta mulher de nacionalidade vietnamita pudesse trabalhar como empregada doméstica no domicílio do 1º arguido. Na tarde do dia 29 de Agosto de 2011, quando B e C estavam a trabalhar para o 1º arguido no referido estabelecimento (B era responsável por fazer sopas doces e C era responsável por a vender), foram interceptadas pelos guardas policiais. B e C não são residentes de Macau, e na altura não possuíram de documentos de identificação que lhes permitissem a trabalhar legalmente em Macau.

      No dia 30 de Agosto de 2011, a 2ª arguida B e a 3ª arguida C foram respectivamente inquiridas como testemunhas sobre o supracitado assunto no Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base. Na altura, as 2ª e 3ª arguidas foram advertidas de que os seus depoimentos tinham de ser verdadeiros, e a falsidade dos mesmos as podiam fazer incorrer em responsabilidade penal. Durante a inquirição, a 2ª arguida B negou o trabalho no mencionado estabelecimento, alegou que estava a fazer comida no estabelecimento a pedido de A e não tinha certeza quanto à razão pela qual A exigiu assim. A 3ª arguida C alegou que B era empregada no estabelecimento em causa, mas ela própria não trabalhava no estabelecimento, e só estava a fazer comida para o seu neto.

      Com base nisso, o Ministério Público acusou o 1º arguido A da prática de 2 crimes de emprego ilegal p. p. pela Lei n.º 6/2004; e acusou as 2ª e 3ª arguidas B e C, respectivamente, da prática dum crime de falsidade de testemunho p. p. pelo Código Penal de Macau. O Colectivo do 2º Juízo Criminal do TJB procedeu ao julgamento da causa, entendendo que o Ministério Público não logrou provar os factos essenciais do tipo de crime acusado, pelo que absolveu o 1º arguido A dos dois crimes de emprego ilegal, e as 2ª e 3ª arguidas dos crimes de falsidade de testemunho, todos imputados pelo Ministério Público. O Ministério Público estava inconformado e interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, invocando o erro notório do tribunal a quo na apreciação das provas da incriminação do 1º arguido, e solicitando que passasse directamente a condenar o 1º arguido pela prática dos actos ilícitos acusados, ou pelo menos reenviasse o processo para novo julgamento.

      O Colectivo do TSI entendeu o seguinte: no caso vertente, o 1º arguido confessou voluntariamente e sem reservas na audiência de 1ª instância a prática de todos os factos criminosos relativos ao emprego ilegal, segundo os quais o 1º arguido deu indicações às 2ª e 3ª arguidas para trabalhar no seu estabelecimento de sopas doces, sabendo bem que na altura elas não possuíram de documentos legais que lhes permitissem a trabalhar legalmente neste estabelecimento. Com a confissão sem reservas do 1º arguido sobre os factos relativos ao emprego lhe imputados, o tribunal a quo ainda não considerou tais factos acusados como provados, violando obviamente as regras profissionais a que devia obedecer no conhecimento de facto. Para o público, contratar alguém para trabalhar implica dar remunerações a este para trabalhar. Mesmo que não fosse indicado na acusação qual a remuneração concreta para as contratadas, a contratação implica necessariamente a remuneração do trabalho. Quanto à forma, à espécie e à quantia concretas da remuneração, não se trata de elementos de incriminação do crime de emprego.

      Pelo exposto, o Colectivo do TSI julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, mandando reenviar ao TJB todos os factos imputados ao 1º arguido A relativos aos 2 crimes de emprego para novo julgamento.

      Cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 830/2013.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

02/04/2015