Situação Geral dos Tribunais

As declarações desfavoráveis prestadas pelo réu na acção de divórcio podem ser apreciadas livremente pelo juiz

       A e B casaram entre si em 1 de Dezembro de 1997 em Zhuhai, Guangdong, no Interior da China, e geraram duas filhas. Em 2012, A (esposa) instaurou acção especial de divórcio litigioso no Tribunal Judicial de Base contra B (marido), alegando que o réu tem dois filhos com uma senhora e manteve relação extraconjugal com outra mulher, sua assistente na empresa de que é director, bem como frequenta casinos, tendo dívidas de jogo. Por tais motivos, pediu ao Tribunal que fosse decretado o divórcio entre ambos, por culpa do réu, e este condenado a pagar-lhe os alimentos provisórios das duas filhas menores no valor de MOP100.000,00 e fosse regulado o exercício do poder paternal ficando a guarda confiada a si. Para apurar os respectivos factos, a autora apresentou uma testemunha e um relatório do Instituto de Acção Social de que consta a declaração prestada pelo réu de que afirmou a manutenção das relações extraconjugais com outras duas mulheres, de uma das quais tem dois filhos. O réu não chegou a contestar.

       O Tribunal Judicial de Base proferiu sentença em 16 de Dezembro de 2013, considerando que: por um lado, é inadmissível o depoimento da única testemunha da autora por ser indirecto, ou seja, o que resulta do que ouviu dizer a pessoas; por outro lado, na acção de divórcio, é inadmissível a prova desfavorável formada por confissão, por cima, o Instituto de Acção Social não é um órgão judicial e, em consequência, não é apreciado o relatório daquele Instituto. Assim sendo, o Tribunal Judicial de Base julga improcedente a acção intentada pela autora por não serem provados os factos invocados.

       Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

       O Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso. De antemão, face ao depoimento da testemunha da autora, apontou o Tribunal Colectivo que a testemunha se limitou a transmitir o que sabia provindo da autora que a ofereceu, mas não do seu conhecimento directo, pelo que o valor probatório do depoimento desta não era superior ao das alegações da parte. Porém, não se podia não dar ao depoimento nenhum valor tal como fez o Tribunal Judicial de Base, mas sim, devia proceder-se a uma avaliação sintética em conjunto com as outras provas constantes do processo.

       Ademais, no que concerne ao relatório do Instituto de Acção Social, o Tribunal Colectivo considerou que o aludido relatório foi emitido no âmbito da competência do Instituto de Acção Social como um instituto público, pelo que, nos termos do art.º 363º do Código Civil, deveria ser considerado autêntico. Nem a autora, nem o réu, impugnaram a veracidade das declarações constantes do relatório, por conseguinte, deveria dar-se como provado que o réu afirmou no Instituto de Acção Social ter tido relações extraconjugais com outras duas mulheres, de uma das quais tem dois filhos.

       Quanto ao valor probatório de tais declarações, indicou o Tribunal Colectivo que embora as declarações do réu não fossem confessórias por serem relacionadas com direitos indisponíveis (alínea b) do art.º 347º do Código Civil), pelo menos, eram consideradas como reconhecimento não confessório e, nos termos do art.º 354º do Código Civil, deviam ser válidas como elemento probatório que o juiz apreciaria livremente. Ou seja, não obstante as declarações desfavoráveis prestadas pelo réu no Instituto de Acção Social não tivessem força probatória plena na acção de divórcio, não se podia dar-lhes nenhum valor.

       Entendeu o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância que pelo depoimento da testemunha da autora e pelas declarações prestadas pelo réu no Instituto de Acção Social onde se afirmou que o mesmo tinha mantido relações extraconjugais com outras duas mulheres, de uma das quais tem dois filhos, provou-se suficientemente a violação por parte do réu do dever de fidelidade entre os cônjuges previsto no art.º 1533º do Código Civil, constituindo motivo de divórcio litigioso. Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença do Tribunal Judicial de Base e declarando dissolvido o casamento entre a autora e o réu, por culpa exclusiva do réu. Determinou ainda que as duas filhas da autora e do réu ficassem confiadas à guarda e confiança conjunta de ambos enquanto os progenitores vivessem sob o mesmo tecto; se e quando os progenitores passassem a viver em casas separadas, as filhas seriam confiadas à guarda e confiança da autora, podendo, embora, o réu visitá-las aos fins-de-semana, mediante prévio aviso à autora com pelo menos dois dias de antecedência. Por falta de elementos, nada se decidiu sobre o pedido de pagamento de pensão alimentícia provisória.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 343/2014 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

08/04/2015