Situação Geral dos Tribunais

As pessoas colectivas de Macau gozam do privilégio concedido pelo n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil

      LVS (Nevada) International Holdings, Inc., Las Vegas Sands, LLC e Venetian Casino Resort, LCC requereram contra A MEI Entretenimento S.A.(亞美娛樂股份有限公司), a revisão e confirmação da sentença proferida pelo United States Court of Appeals for the Ninth Circuit, em 10 de Abril de 2009, na parte em que confirmou a sentença proferida pelo District Court of District of Nevada, em 16 de Agosto de 2007. Nesta parte, esta última sentença julgou prescritas as pretensões da requerida, posteriores a 15 de Janeiro de 2002. A mencionada acção, que correu termos no District Court of District of Nevada, foi proposta pela requerida contra as requerentes, e nela se pedia uma indemnização compensatória e punitiva. A sentença revidenda transitou em julgado em 6 de Maio de 2009.

      O Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 19 de Junho de 2014, julgou a acção procedente, tendo revisto e confirmado a sentença do mencionado Tribunal de recurso norte-americano.

      Recorreu a requerida para o Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação do supra referido acórdão do Tribunal de Segunda Instância e, suscitando para o efeito as seguintes questões: a sentença revidenda não produz caso julgado material; a sentença estrangeira não poderia ter sido revista e confirmada porque, tendo a requerida o privilégio da residência em Macau, foi vencida no processo americano e, segundo as regras de conflitos de Macau, a questão deveria ter sido resolvida pelo direito material de Macau e o resultado da acção ter-lhe-ia sido mais favorável, em virtude das regras de prescrição de Macau; não houve abuso de direito da requerida porque, tanto no Tribunal do Nevada, como agora, defende a aplicação das regras de prescrição de Macau; o acórdão é nulo por não fundamentar a tese do abuso de direito.

      O Colectivo do Tribunal de Última Instância conheceu das seguintes questões:

      1. Trânsito em julgado da sentença

      A requerida alegou que a sentença não constitui caso julgado material por não ter conhecido do mérito da acção. E que no direito norte-americano a prescrição não é um instituto de direito substantivo, como no direito de Macau ou Portugal, mas de direito processual, que não impede a propositura de outra acção no mesmo tribunal ou noutro.

      Segundo o Colectivo do Tribunal de Última Instância, o sistema de Macau é, em regra, de revisão meramente formal. Devem-se considerar verificados os requisitos das alíneas b), c), d) e) do n.º 1 do art. 1200.º, na falta de prova em contrário, por parte do requerido. Acresce que, a sentença revidenda constitui caso julgado material.

      Em primeiro lugar, é isso o que resulta da própria sentença revidenda. Lê-se, com efeito, na decisão proferida pelo United States District Court of Nevada em 16 de Agosto de 2007, que a sentença proferida pelo United States Court of Appeals for the Ninth Circuit em 10 de Abril de 2009 confirmou parcialmente: «Determina-se por este meio que a Pretensão da Autora seja julgada improcedente quanto ao mérito e com prejuízo. A presente decisão é final para efeitos de recurso.»

      É esta, de resto, a solução reclamada pelo Direito vigente no Nevada.Ou seja, uma decisão de improcedência da acção é em princípio, quer segundo o Direito Processual Civil do Estado do Nevada, quer segundo o Direito federal norte-americano, uma decisão de mérito, que impede a repetição da causa no mesmo ou noutro tribunal.

      A decisão revidenda constitui, assim, caso julgado material, quer à luz do seu próprio dispositivo, quer por força das disposições legais do Nevada e do Direito Federal norte-americano que lhe são aplicáveis.

      Improcede, assim, a questão suscitada pela recorrente.

      2. Decisão proferida contra residente de Macau ou contra pessoa colectiva com sede efectiva em Macau

      Segundo o Colectivo do Tribunal de Última Instância, o fundamento de impugnação em apreço constitui uma das duas situações, no Direito de Macau, em que a revisão e confirmação de sentença do exterior não é formal, mas incide sobre o mérito da causa. Isto é, em acção no exterior em que o residente de Macau ficou vencido, e em que não foi aplicado o direito material de Macau, mas em que este seria aplicável, segundo as normas de conflitos de Macau, o tribunal de Macau onde é pedida a revisão e confirmação, apura se o resultado da acção teria sido mais favorável ao residente se tivesse sido aplicado o direito material de Macau. Se concluir positivamente, nega a revisão.

      Pretendeu a recorrente que, onde se diz residente de Macau, devem considerar-se abrangidas, igualmente, as pessoas colectivas com sede em Macau. Em boa verdade, não há nenhuma razão para que só em relação às pessoas singulares de Macau se proceda à mencionada protecção. Também as pessoas colectivas com sede em Macau merecem a mesma protecção. Em conclusão, entendeu-se que as pessoas colectivas com sede em Macau também gozam do privilégio concedido pelo n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil. 

      Mas serão que todas as pessoas colectivas com sede em Macau gozam desse privilégio? Nesta matéria terá de se aplicar o critério de conexão que corresponde à residência, no que toca ao estatuto das pessoas colectivas, em termos de direito de conflitos de Macau. E esse critério é o da “sede principal e efectiva da sua administração” (artigo 31.º, n.º 1, do Código Civil).

      Na sua impugnação a requerida nunca alegou factos donde decorresse qual a sede principal e efectiva da sua administração. Apenas alegou que a sua sede estatutária era em Macau. O ónus da alegação e prova de tais factos cabia à requerida, como requisito de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, cai pela base a pretensão da requerida de ver apreciado o mérito da decisão revidenda, com fundamento na mencionada norma.

      Face ao expendido, o Colectivo negou provimento ao recurso.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância do processo n.º 3/2015.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

08/05/2015