Situação Geral dos Tribunais

O arguido deve responsabilizar-se pela “não consecução” do exercício do direito de defesa resultante da sua própria conduta de se furtar ao processo

      O Tribunal Judicial de Base procedeu ao julgamento do respectivo caso criminal na ausência do arguido, condenando-o pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de dois meses de prisão efectiva. Notificado desta sentença de 1ª instância, veio o arguido interpor recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância, dizendo que ele próprio tinha ficado em Macau, pois o Tribunal a quo, ao invés de notificar o arguido por editais, absolutamente tinha maneira de notificar o mesmo com sucesso, ao abrigo do artigo 100.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, do despacho que designa dia para a audiência de julgamento, pelo que ele foi ilegalmente julgado pelo Tribunal a quo e deve o Tribunal de recurso declarar, de acordo com as disposições do Código de Processo Penal, nulos o despacho que decidiu notificar, por editais, o arguido para comparecer à audiência de julgamento e todos os actos processuais seguintes.  

      Apreciados os elementos constantes dos autos, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu o seguinte:

      Em 13 de Janeiro de 2013, o recorrente constituiu-se arguido do presente caso de natureza penal no Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, altura em que ele deu uma morada em inglês. Em 4 de Outubro de 2013, o Ministério Público deduziu acusação contra o recorrente, imputando-lhe a prática de um crime de consumo de estupefacientes. No dia seguinte, ao recorrente foi imposta a medida de coacção pelo Ministério Público, e ele escreveu a mesma morada em inglês acima referida no “Termo de identidade e residência”. Do teor desse termo decorre que o recorrente declarou ter conhecimento claro de que “não pode mudar de residência nem dela (Macau) se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar ao Ministério Público”.

      Por despacho de 5 de Dezembro de 2013 proferido nos autos, o juiz a quo do Tribunal Judicial de Base designou o dia 14 de Janeiro de 2014, pelas 9h30, para o início de julgamento. Em 6 de Dezembro de 2013, o funcionário do Tribunal a quo enviou na estação de correios de Macau a carta registada que visou notificar o defensor do recorrente do supra referido despacho proferido pelo juiz. Em 13 de Dezembro de 2013, o funcionário do Tribunal a quo disse que, relativamente à notificação ao recorrente próprio do despacho acima referido, encontrou-se na morada correspondente à dada pelo recorrente um homem que declarou que o recorrente não vivia na fracção. Face a esta situação e conforme sugerido pelo magistrado, o juiz a quo decidiu em 13 de Dezembro de 2013 notificar o arguido através do Departamento de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública e, se se frustrasse a notificação por essa via, realizar-se-ia a notificação por editais. Em 17 de Dezembro de 2013, o agente policial que se responsabilizou pela notificação afirmou ter-se deslocado, por diversas vezes, à morada indicada no mandado judicial, mas não conseguiu encontrar o recorrente como ninguém atendeu. O funcionário do Tribunal a quo afixou portanto edital em 17 de Dezembro de 2013 para notificar o recorrente do dia designado para julgamento. Em 14 de Janeiro de 2014, de manhã, realizou-se a audiência de julgamento na ausência do recorrente. Antes disso, nos autos não foi comunicado pelo recorrente de que tinha mudado de residência ou dela se tinha ausentado por mais de 5 dias. Em 21 de Janeiro de 2014, o juiz a quo efectuou a leitura da sentença condenatória.

      Face ao exposto, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que no caso vertente, tanto o funcionário do Tribunal a quo como a polícia tinham-se deslocado, a pedido do Tribunal, à morada correspondente à em inglês anteriormente alegada pelo arguido no “Termo de identidade e residência”, procurando encontrá-lo para o notificar da data designada para julgamento. No entanto, o funcionário do Tribunal apenas encontrou na morada acima referida um homem que alegou que o arguido lá não vivia; e não obstante o agente policial que se responsabilizou pela notificação requerida pelo Tribunal ter-se deslocado, por diversas vezes, à morada em causa, ninguém atendeu. Daí que o arguido se colocasse, manifesta e voluntariamente, numa situação de não poder comparecer ao julgamento. Ainda se pode presumir que ele pretendia ignorar o presente caso criminal. Assim sendo, o Tribunal a quo realmente não estava obrigado a enviar-lhe o ofício notificador relativamente ao dia do início da audiência de julgamento, ou, no dia anteriormente designado para julgamento, face à sua falta de comparência injustificadaa, a fixar de novo a data de julgamento para notificá-lo por editais para comparecer à audiência de julgamento no dia novamente designado.

      De facto, a situação de faltar injustificadamente referida no artigo 316.º, n.º 1 do Código de Processo Penal tem por pressuposto o conhecimento por parte do arguido do dia designado para julgamento. No entanto, se dos autos resulte que o arguido se colocou voluntariamente numa situação de não poder ser notificado do dia designado para julgamento, o tribunal poderia muito bem decidir imediatamente a notificação por editais ao mesmo da data designada para julgamento. Pelo que são totalmente legais a prática e a decisão do Tribunal a quo no que toca à supra referida matéria da notificação do dia de julgamento, não se verificando no presente caso nulidade alegada pelo arguido com referência ao disposto no artigo 106.º, al. c) do Código de Processo Penal. E a “não consecução” do exercício do direito de defesa pelo arguido é de imputar inteiramente a si próprio, devendo ele responsabilizar-se pela sua própria conduta de se furtar ao processo.

      Face ao exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso do arguido.

      Cfr. o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância do Processo n.º 250/2014. 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/05/2015