Situação Geral dos Tribunais

Foram declarados nulos por simulação os contratos de compra e venda destinados a encobrir dação em cumprimento

      B e sua mulher C celebraram com a Sociedade de Investimento Predial G, Limitada e com o Banco D, Limitada, em 15 de Setembro de 1997, um “contrato promessa de compra e venda, mútuo e hipoteca”, segundo o qual B e C prometeram comprar e a sociedade G prometeu vender a fracção autónoma designada por A21 e o lugar de estacionamento designado por C28, ambos dum prédio localizado na Praia Grande de Macau, pelo preço de HKD$5.875.060,00, e a sociedade D concedeu a B e C um empréstimo no montante de HKD$4.000.000,00 destinado a financiar a aquisição da respectiva fracção e lugar de estacionamento. No dia da celebração do referido contrato, B e C obtiveram a chave à respectiva fracção, onde depois procedeu a obras de remodelação e começou a viver, tendo também pagado as respectivas despesas de condomínio. Em 1 de Junho de 2001, a sociedade G declarou, através da escritura de compra e venda, vender à sociedade H, pelo preço de MOP$1.200.000,00 e MOP$60.000,00 que já tinha sido pago, a referida fracção autónoma A21 e o lugar de estacionamento C28. Em 16 e 17 de Agosto de 2001, a sociedade H, por sua vez, declarou, através da escritura de compra e venda, vender a A, pelo preço de MOP$1.240.000,00 e MOP$60.000,00 que já tinha sido pago, a referida fracção autónoma A21 e o lugar de estacionamento C28. A verdade, porém, é que tanto a sociedade H como A deixaram de pagar à parte vendedora os preços declarados nos contratos, tampouco fizeram deslocar pessoas ou deslocaram-se aos imóveis para certificar-se do estado de conservação em que os mesmos se encontravam.

      B, C e D intentaram acção contra G, H e A, pedindo a declaração da nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda celebrados entre os réus respeitante a A21 e C28, ou a procedência da impugnação pauliana deduzida contra as referidas compras e vendas e a confirmação do direito dos autores à restituição da fracção em causa, ou a resolução do contrato-promessa celebrado entre os autores e G, bem como o pagamento por parte deste do dobro do sinal.

      O Tribunal Judicial de Base, por sentença proferida, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre B,C e G em relação a A21 e C28, e condenou G a pagar a B e C a quantia correspondente ao dobro do sinal, no valor de HKD$11.750.120,00, acrescida de juros à taxa legal.

      Inconformados com a decisão, B, C e D recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar procedente o recurso e, em consequência, declarar nulos, por simulação, os contratos de compra e venda respeitantes à fracção autónoma A21 e ao lugar de estacionamento C28, decretar o cancelamento na Conservatória dos respectivos registos e de outros que, porventura, depois daqueles hajam sido feitos, declarar B e C os proprietários dos bens imóveis em causa e condenar G a pagar eventuais despesas com a expurgação da respectiva hipoteca.

      Inconformado com o acórdão, A interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância.

      O Tribunal de Última Instância conheceu da causa. Em primeiro lugar, no que tange ao fundamento invocado pelo recorrente de que não há indícios de ser simulados os negócios em que G vendeu a H, e H vendeu a A os imóveis A21 e C28, o Colectivo indicou que, de acordo com os factos dados como provados, G e H celebraram a escritura de compra e venda dos imóveis em causa querendo na realidade uma dação em cumprimento, pelo que existia divergência entre a declaração negocial e a vontade real deles; do facto de H não ter pago a G o preço e G não lho ter exigido decorreu que existisse evidentemente entre eles o acordo simulatório; ultimamente, G e H, bem sabendo que os imóveis foram objectos do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre G e outrem, com o pagamento de totalidade do preço e a ocupação e a utilização dos imóveis, ainda celebraram a escritura de compra e venda dos mesmos imóveis, daí se evidenciou uma intenção daqueles de enganar terceiros, pelo que o negócio realizado entre G e H é simulado. De acordo com a mesma lógica, antes da celebração da escritura de compra e venda, A nunca procurou certificar-se do estado de conservação em que os imóveis se encontravam e, apesar de ter tomado conhecimento que os mesmos imóveis estavam ocupados e a ser utilizados por B e C, conformou-se com a situação, pelo que é de considerar também simulado o negócio realizado entre H e A. Nos termos do n.º 2 do art.º 232.º do Código Civil, os referidos negócios são nulos. O recurso é improcedente nesta parte.

      Alegou ainda o recorrente que, mesmo que fosse inválido, por simulação, o negócio entre G e H, ele estaria sempre protegido ao abrigo do art.º 235.º do Código Civil por ser terceiro de boa fé. Segundo o Colectivo, a boa fé referida nessa norma é o desconhecimento efectivo da simulação, com ou sem culpa, no momento em que o terceiro realiza a aquisição do seu direito; porém, se no momento da aquisição já tinha sido proposta e registada a acção de simulação, a lei presume a má fé. No caso vertente, a aquisição dos imóveis ocorreu antes da propositura da acção de simulação pelos autores, pelo que não se pode presumir a má fé do ora recorrente. Há que ver, então, se o recorrente desconheceu da simulação praticada entre G e H. Dado que a boa fé invocada pelo recorrente assistiu-lhe o direito de opor a nulidade resultante da simulação, ou, por outras palavras, teve o efeito de impedir a concretização do direito invocado pelos autores, pelo que cabe ao recorrente provar essa boa fé de acordo com a regra geral do ónus da prova. Ora, não conseguiu o recorrente provar a ignorância da simulação ao tempo da celebração do negócio, a causa deve ser, portanto, decidida contra ele.

      Ultimamente, quanto à questão alegada pelo recorrente de que o acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre a validade do negócio dissimulado, o Colectivo indicou que, a questão sobre a validade do negócio dissimulado não foi alegada pelo recorrente no seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância, nem é de conhecimento oficioso, pelo que não se verificou a omissão de pronúncia alegada pelo recorrente. O recurso também é improcedente nesta parte.

      Face ao exposto, o Colectivo decidiu negar provimento ao recurso.

      Cfr. acórdão do Tribunal de Última Instância, processo n.º 69/2014.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

15 de Maio de 2015