Situação Geral dos Tribunais

Os trabalhadores da Administração Pública recrutados ao exterior perdem o direito à utilização da moradia da R.A.E.M. após a cessação de funções

      A é um médico português que foi recrutado ao exterior desde 1992 em regime de contrato além do quadro pelos Serviços de Saúde de Macau para prestar serviço em cirurgia geral no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, tendo-lhe sido atribuída a moradia 15º “C” dum edifício, sito na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, Macau, ao abrigo do art.º 21º do Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto. Em 1996, devido à alteração do seu agregado familiar, foi-lhe igualmente atribuída a moradia 15º “A” do mesmo edifício. Em 2003, por se verificar impossibilidade de uso das duas anteriores moradias atribuídas, A e seu agregado familiar (esposa e 3 filhos) foram transferidos para a moradia 7º “A/C” do mesmo edifício mediante autorização da Direcção dos Serviços de Finanças. Em 19 de Abril de 2004, A passou a ser recrutado em regime de contrato individual de trabalho para prestar serviço na Direcção dos Serviços de Saúde, continuando a exercer funções de médico em cirurgia geral no Centro Hospitalar Conde de S. Januário. No artigo 15º do contrato individual de trabalho celebrado entre A e o governo da R.A.E.M. previu-se que A “tem o direito a alojamento em moradia equipada na R.A.E.M. que lhe seja atribuída em conformidade com a composição do seu agregado familiar” e tem o dever de “devolver a moradia até à data da cessação de funções” ao governo da R.A.E.M. Tal contrato foi renovado até ao dia 30 de Novembro de 2013, data em que A cessou funções por ter completado 65 anos de idade.

      Na véspera de cessar funções, em 31 de Outubro de 2013, A veio solicitar à Directora dos Serviços de Finanças, com fundamento no disposto no n.º 1 do art.º 20º da Lei n.º 8/2006 alterada pela Lei n.º 3/2009 (O contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da R.A.E.M. ou de outras entidades públicas e cuja inscrição tenha sido cancelada por ter completado 65 anos de idade, desde que o tempo de contribuição não seja inferior a 15 anos, pode manter o direito ao arrendamento daquela moradia), a manutenção do arrendamento da moradia 7º “A/C”. Por despacho da Directora dos Serviços de Finanças, datado de 20 de Novembro de 2013, foi indeferido o pedido formulado por A. Inconformado, A interpôs recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças, contudo, foi rejeitado por despacho de 4 de Abril de 2014. Ainda inconformado, A interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças.

      Tendo comparado o regime jurídico de direito a alojamento do pessoal recrutado ao exterior com o regime de atribuição de alojamento aos trabalhadores locais da Administração Pública, o Tribunal de Segunda Instância concluiu: o primeiro regime é regulado pelo art.º 21º do Decreto-Lei n.º 60/92/M, Decreto-Lei n.º 71/92/M, Despacho n.º 98/GM/92 e Despacho n.º 16/GM/94, e aplicável ao pessoal recrutado em Portugal para exercer funções em Macau. Segundo o referido regime, o direito a alojamento do pessoal recrutado ao exterior pode ser satisfeito através da atribuição de moradia, equipada ou não, ou de subsídios para arrendamento, cuja opção por atribuição de moradia ou de subsídios compete à Administração. Os recrutados ao exterior não são “arrendatários de moradia” mas sim “titulares do direito a alojamento”, isto porque a atribuição de moradia é feita por despacho, não existindo qualquer “contrato de arrendamento”. O que pagam os recrutados ao exterior é uma “contraprestação” mas não uma “renda”, a par disso, devem os mesmos devolver a moradia até à data da cessação de funções. Enquanto o segundo regime é sucessivamente regulado pelo Decreto-Lei n.º 46/80/M e Decreto-Lei n.º 31/96/M e apenas aplicável aos trabalhadores locais da Administração Pública de Macau, onde se prevê que a utilização das moradias atribuídas obedece ao regime do arrendamento, deste modo, os trabalhadores da Administração Pública necessitam de celebrar “contrato de arrendamento” escrito, em documento avulso, com o governo, cujos motivos de caducidade e resolução desse contrato são contrários aos dos contratos de arrendamento gerais, ademais, os trabalhadores têm de pagar a “renda”. Daí se vislumbra a diferença notória entre os dois regimes em apreço.

      Indicou o Tribunal Colectivo que embora o recorrente tenha prestado serviços a Macau por mais de vinte anos, como trabalhador recrutado ao exterior em regime de contrato individual de trabalho para prestar serviço ao governo, não possui qualidade de arrendatário da moradia da R.A.E.M. que lhe foi atribuída, pelo que este não goza do direito conferido pelo art.º 20º, n.º 1 da Lei n.º 8/2006 aos arrendatários da moradia da R.A.E.M., de modo a manter o arrendamento da dita moradia após a cessação de funções.

      Face ao expendido, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso contencioso, mantendo o despacho do Secretário para a Economia e Finanças.

      Cfr. o acórdão do processo n.º 360/2014 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

01/07/2015