Situação Geral dos Tribunais

Uniformização de Jurisprudência: Não é possível a cumulação de pedidos se para os respectivos pedidos forem competentes tribunais de grau hierárquico diverso

        A sociedade A intentou, no Tribunal Administrativo e contra a Região Administrativa Especial de Macau uma acção sobre contratos administrativos e apresentou, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 113.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o pedido de anulação ou de declaração de nulidade do despacho proferido pelo Senhor Chefe do Executivo em 29 de Março de 2010 que indeferiu a reclamação por si apresentada, mantendo o despacho que aplicou à sociedade A a multa diária de MOP$ 30.000,00 desde 6 de Março de 2009 até à conclusão das obras, pedindo que fosse declarado nulo ou anulável o acto administrativo em causa, bem como a condenação da Ré no pagamento da quantia de MOP$6.928.817,00; e como pedido subsidiário, pretendeu a redução da multa aplicada e o pagamento da multa pela sociedade B, na qualidade da Ré chamada a intervir no processo, uma vez que a responsabilidade de pagamento lhe foi transferida pela compra de seguros.

        Devidamente citado, o Chefe do Executivo da RAEM apresentou contestação, deduzindo excepção dilatória, invocando a incompetência do Tribunal Administrativo relativamente ao pedido formulado pela Autora de anulação do acto administrativo.

        Conhecendo da questão de competência, o Exmo. Juiz do Tribunal Administrativo tomou decisão no sentido de julgar improcedente a excepção deduzida pela entidade recorrida, considerando competente o Tribunal Administrativo.

        Discordando o assim decidido, o Senhor Chefe do Executivo recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que por acórdão de 25 de Setembro de 2014 negou provimento ao recurso, entendendo que o único pressuposto da cumulação de pedidos previsto no n 3 do art 113 do CPAC prende-se com a existência de relação de prejudicialidade ou de dependência entre os vários pedidos, ou a situação de a procedência de todos os pedidos depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas ou cláusulas contratuais, não se estabelecendo qualquer restrição respeitante à competência do tribunal.

        Ainda inconformado, o Senhor Chefe do Executivo interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância, asseverando que, no acórdão proferido a 21 de Maio de 2003 no processo n.º 4/2003, o Tribunal de Última Instância decidiu que “não pode deduzir o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos relativos à formação e execução do contrato em cumulação com a acção sobre contratos administrativos quando não seja o mesmo tribunal competente para conhecer daquele pedido e da acção”. Considerando haver oposição entre o acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 25 de Setembro de 2014 e o acórdão do TUI acabado de referir, veio o recorrente pedir a uniformização de jurisprudência.

        O Tribunal de Última Instância procedeu ao julgamento ampliado do recurso. A posição sustentada pela maioria dos votos aponta no sentido seguinte: É verdade que não se faz nenhuma referência à competência do tribunal no art.º 113.º, n.º 3 do CPAC que permite a dedução em acção sobre contratos administrativos do pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato. Mas nem por isso se pode pôr ao lado outras normas aplicáveis que regulam a cumulação de pedidos. À luz do art.º 391.º, n.º 1, conjugado com o art.º 65.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, ex vi o art.º 1.º do CPAC, o autor pode formular cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos, o que, porém, não é admissível quando o tribunal for incompetente para apreciar algum dos pedidos. Não se pode considerar o art.º 113.º, n.º 3 do CPAC como excepção ao disposto no art.º 65.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, precisamente porque não existe norma expressa que preveja a cumulação de pedidos nos casos em que são diferentes os tribunais competentes. A distribuição de competência entre vários tribunais em razão da hierarquia e da matéria é uma questão de ordem pública, prevista na Lei de Bases da Organização Judiciária, cujas regras não podem ser derrogadas sem norma expressa, por estar em causa um princípio de ordem pública.

        Por outro lado, não resulta do art.º 24.º do CPAC que seja possível a cumulação quando a competência para os dois meios processuais caiba a tribunais diversos. Não obstante a utilização da expressão “qualquer que seja o tribunal competente”, o que a norma diz é que qualquer que seja o tribunal competente, Tribunal Administrativo, Tribunal de Segunda Instância ou Tribunal de Última Instância, pode operar-se a cumulação de pedidos, desde que caiba ao mesmo tribunal a competência para conhecer de todos os pedidos, e não diz que é possível a cumulação de pedidos que devem ser conhecidos por tribunais diversos. Assim entendendo, não se vê a diferença de tratamento jurídico no que tange às soluções dadas à cumulação de pedidos em acção sobre contratos administrativos e no âmbito do recurso contencioso.

        Neste caso concreto, a acção sobre contratos administrativos é da competência do Tribunal Administrativo e o recurso contencioso é da competência do Tribunal de Segunda Instância. Sendo tribunais de grau hierárquico diverso, não é possível a cumulação de pedidos.

        Face ao exposto, acordaram no Tribunal de Última Instância em julgar procedente o recurso, revogaram o Acórdão recorrido na parte impugnada no presente recurso e uniformizaram a jurisprudência, nos termos do al. 1) do n.º 2 do art.º 44.º da Lei de Bases da Organização Judiciária e do n.º 4 do art.º 167.º do CPAC, fixando o seguinte entendimento: Não é possível a cumulação de pedidos prevista no art.º 113.º n.º 3 do CPAC se para os respectivos pedidos forem competentes tribunais de grau hierárquico diverso, pelo que o Tribunal Administrativo não tem competência para conhecer do pedido, deduzido em acção sobre contratos administrativos, de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato, cujo julgamento em primeira instância cabe ao Tribunal de Segunda Instância.

        Vide o Acórdão do TUI, processo n.º 126/2014,e o Acórdão do TSI,processo n.º 601/2013.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

02/07/2015