Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 22/06/2016 76/2015 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      - Usurpação de poder
      - Direito de propriedade
      - Direito de defesa
      - Caso julgado
      - Aplicação da al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA
      - Postergação do interesse público
      - Interpretação e aplicação do art.º 123.º n.º 3 do CPA

      Sumário

      1. Há usurpação de poder em todos os casos em que a Administração pública se intrometer na esfera própria da competência dos tribunais judiciais, isto é, sempre que o poder administrativo invadir a esfera privativa do poder judicial.
      2. Decorre da conjugação das normas contidas nos art.ºs 172.º e 173.º do Código do Procedimento Administrativo duas ideias fundamentais: I) a nulidade ou anulabilidade dos actos administrativos implica também a mesma consequência para os contratos administrativos cuja celebração tenha dependido daqueles actos; ii) cabe no poder judicial exclusivamente exercido pelos tribunais a declaração de nulidade de cláusulas contratuais, não sendo definitivos e executórios os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade.
      3. A matéria cuja apreciação reclama a intervenção do tribunal prende-se com a interpretação sobre o conteúdo e a validade das cláusulas contratuais, o que se justifica com a eventual divergência e falta de acordo das duas partes sobre o sentido e validade das mesmas.
      4. Quanto à invalidade do contrato administrativo, convém distinguir as seguintes situações: o contrato é nulo em consequência da nulidade das suas cláusulas contratuais; o contrato padece de nulidade derivada, porque é nulo o acto administrativo de que tenha dependido a sua celebração, nos termos do n.º 1 do art.º 172.º do CPA.
      5. Na segunda situação, a nulidade do contrato não tem nada a ver com a interpretação ou a validade das cláusulas contratuais, não estando em causa o sentido ou conteúdo do contrato. A nulidade do contrato determina-se com o mesmo vício do próprio acto administrativo que permite a celebração do contrato.
      6. A concessão por arrendamento do terreno tem a natureza provisória, antes de se tornar definitiva com o cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas.
      7. O direito resultante da concessão por arrendamento do terreno, mesmo com natureza real, não é totalmente coincidente com o direito de propriedade em geral, tendo as características, especialidades e limitações próprias. Não se pode falar na perpetuidade nem na plenitude desse direito.
      8. Sendo o procedimento administrativo distinto do processo-crime, não há porém obstáculo a que a sentença condenatória tomada neste processo produza efeitos naquele procedimento.
      9. Há que ter sempre presente que se tratam dos procedimentos independentes, com objectos e finalidades distintos.
      10. No presente caso concreto, se a recorrente é interessada no procedimento administrativo, já não a é no processo-crime em que se julgou a prática do crime que esteve na base da declaração de nulidade do acto administrativo, pois se trata duma pessoa colectiva, diferente de pessoa singular tais como os seus sócios ou representantes, não sendo acusada nem posto em crise qualquer interesse dela naquele processo.
      11. Não se vislumbra base legal para a sua participação, muito menos para se defender, uma vez que no processo-crime não há ofensa dos seus interesses que reclame a protecção jurídica e que justifique a sua intervenção para se defender.
      12. Os elementos carreados aos autos de procedimento administrativo e referentes à prática do crime não podem, naturalmente, deixar de ser ponderados e avaliados pela Administração para tomar a decisão que achar correcta, desde que ofereça à interessada a oportunidade de defender-se.
      13. A expressão “actos cujo objecto constitua um crime”, contida na parte final da al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, tem que ser objecto de interpretação extensiva, abrangendo não só os actos cujo objecto (cujo conteúdo) constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime.
      14. Se o processo desencadeado com vista à transmissão da concessão por arrendamento de terrenos foi viciado desde o início (na selecção da proposta vencedora), com violação das regras jurídicas aplicáveis e desrespeito pelo critério da legalidade, nunca se pode afirmar que o respectivo procedimento administrativo se norteou por critérios de legalidade e interesse público, ainda que nos actos administrativos praticados não se tenha detectado a intenção de não prosseguir o interesse público.
      15. Não se pode assacar efeitos putativos (referidos no n.º 3 do art.º 123.º do CPA) favoráveis ao particular em cuja conduta criminosa se funda a nulidade do acto.

      Resultado

      Acordam em negar provimento ao recurso.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dra. Song Man Lei
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dr. Viriato Lima