Situação Geral dos Tribunais

Levantamento ilícito de fundos no uso de impresso com assinatura falsa é punido pelos crimes de falsificação de documento e de burla

      A exercia funções no Clube VIP B do Casino XX desde 2006, encarregando-se, principalmente, de abrir pelos jogadores contas de troca de fichas, trocar fichas por moedas e vice-versa, e gerir a operação diária e as contas da tesouraria. Aproveitando das funções que exercia, A folheou os impressos de levantamento de fundos conservados na tesouraria, e descobriu que D, titular duma conta de troca de fichas, tinha constituído seu procurador E para assinar os impressos de levantamento de fundos. Com o propósito de obter dinheiro para jogar, A, num impresso de levantamento de fundos em branco, apôs assinatura falsa de E, de forma a pedir emprestada, em nome de E, a quantia de HKD$200.000,00 ao Clube VIP. Depois disso, A, aproveitando que não estavam na tesouraria os outros trabalhadores, levantou fichas do Casino e dinheiro em numerário no valor total de HKD$200.000,00, os quais, trocados por dinheiro em numerário, vieram a ser integralmente perdidos por A quando jogava nos casinos em Macau.

      Por acórdão de 9 de Dezembro de 2011, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a), conjugado com o art.º 196.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos. Em relação ao crime de falsificação de documento imputado a A, não fixou punição autónoma por considerar a falsificação consumida pela burla. Além de tudo, condenou A a pagar ao Clube VIP B o montante de HKD$200.000,00 a título de indemnização, acrescido de juros moratórios à taxa legal a contar da data da decisão até integral pagamento.

      Do acórdão supracitado, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Tendo conhecido do recurso, a Relatora proferiu decisão sumária no sentido de rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso interposto pelo Ministério Público.

      Inconformado, o Ministério Público deduziu reclamação para a conferência do Tribunal de Segunda Instância.

      O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância apreciou a reclamação, referindo que, conforme o entendimento do mesmo Tribunal, manifestado no acórdão de 26 de Junho de 2014, prolatado nos autos de recurso n.º 279/2014, a punição autónoma (ou não) de um crime cometido pelo agente depende do bem jurídico lesado pela sua conduta. A falsificação de documentos, pondo em causa a “credibilidade” inerente aos documentos dotados de “valor”, viola de modo autónomo, como é evidente, o bem jurídico de “documentos de valor” tutelado pela lei, razão pela qual se verifica concurso efectivo entre a própria conduta de falsificação de documentos e o crime “fim”, impondo-se, assim, a punição autónoma de cada um deles.

      Na óptica do Tribunal Colectivo, é de manter no caso vertente a posição supracitada, optando-se pela punição autónoma do crime de falsificação de documento. Daí dever julgar-se procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e alterar, por conseguinte, a decisão proferida.

      Nos termos acima expendidos, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em julgar procedente a reclamação deduzida pelo Ministério Público, manter a decisão condenatória do Tribunal a quo, mais condenar A pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, devendo o Tribunal a quo, com base na sua decisão condenatória, fixar uma pena parcelar para o crime de falsificação de documento para, depois, efectuar o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos vários crimes.

      Vide Acórdão do TSI, processo n.º 40/2012.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/12/2015