Situação Geral dos Tribunais

Não esteja comprovado que o domínio útil do prédio foi reconhecido de acordo com a lei como propriedade privada, não se pode adquirir por usucapião

      A e mulher B intentaram acção declarativa com processo ordinário contra C, D, E, F, Ministério Púbico e interessados incertos, pedindo a declaração da aquisição da titularidade do domínio útil de dois imóveis sitos em Macau. A acção foi julgada procedente.

      Em recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 16 de Janeiro de 2014, revogou a sentença, absolvendo os réus do pedido, com o fundamento de que não se demonstra que o domínio útil seja pertença de privados.

      Recorrem os autores para o Tribunal de Última Instância, alegando: “A decisão do TSI, que revogou a sentença de 1.ª, que declarou a aquisição por parte dos autores do domínio útil do imóvel, por usucapião, assentou na convicção do TSI, de que não se demonstra que o domínio útil seja pertença de privados. Essa convicção foi suportada no documento da Direcção dos Serviços de Finanças, segundo o qual não consta que o prédio dos autos seja foreiro à Fazenda da Região. Tal documento veio a ser declarado falso. Assim, deve ser confirmada a sentença de 1.ª Instância que declarou serem os autores titulares do domínio útil do imóvel.

      Entendimento do Tribunal Colectivo do TUI: “Logo no acórdão deste TUI, de 5 de Julho de 2006, no Processo n.º 32/2005, abrimos a possibilidade de o domínio útil, de cujo domínio directo seja titular, actualmente, a RAEM, ser adquirido por usucapião, se tiver sido reconhecido como propriedade privada antes do estabelecimento da RAEM, em face do disposto no artigo 7.º da Lei Básica.

      Ora, mantendo-se a pertinência desta jurisprudência, para que uma acção, visando a declaração de aquisição, por usucapião, de domínio útil de imóvel, concedido por aforamento pelo Território de Macau, seja procedente, tem o autor de demonstrar que o domínio útil do prédio foi reconhecido, “… de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau….” (artigo 7.º da Lei Básica).

      Ora, percorre-se a petição inicial e não se vislumbra que tenha sido articulado qualquer facto donde decorra que o domínio útil do prédio foi reconhecido, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da RAEM.

      É certo que foi levado aos factos assentes, por força de certidão do registo predial junta aos autos, que a RAEM é titular do domínio directo dos prédios dos autos, com base em escritura de 20 de Janeiro de 1894, da Repartição de Fazenda Provincial, sendo os foros de MOP$0,25 e MOP$0,29 (apresentações de 3 de Maio e 8 de Julho de 1898). Bastará isto para demonstrar que o domínio útil dos prédios foi reconhecido, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da RAEM? Não basta. Não sabemos a quem o Território de Macau transferiu o domínio útil (artigo 1653.º do Código Civil de 1867), se o fez a um privado ou não. Recorde-se que as câmaras municipais e os entes públicos em geral podiam receber de emprazamento em determinado circunstancialismo (artigos 1669.º, 35.º e 37.º do mesmo Código). Nada se alegou a este respeito. Por razões que se desconhecem, não foi levada ao registo predial a inscrição de aquisição do domínio útil dos prédios em questão. Também não consta dos autos a mencionada escritura de 20 de Janeiro de 1894, da Repartição de Fazenda Provincial ou uma certidão desta. Sabemos apenas que foi constituída enfiteuse. Desconhece-se quem era, então, o titular do domínio útil. Por outro lado, também se desconhece se a enfiteuse se mantém ou se foi, entretanto, extinta.

      Deste modo, o documento junto a fls. 227 a 230, por iniciativa do Ex.mo Relator do TSI, consistindo em cópia do Livro de Registo de Foros X/XX, da Repartição de Finanças, dos quais constam como foreiros dos prédios G, H e I – que não se sabe quem são - nada adiantam. Os documentos servem para provar factos e sem se alegar factos, de nada servem. De qualquer modo, tratando-se de documentos sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, sempre estariam fora do poder de cognição deste TUI, que conhece apenas de matéria de direito e não de matéria de facto.

      Em conclusão, não demonstraram os autores que o domínio útil dos prédios foi reconhecido, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da RAEM. Improcede, assim, o recurso.

      Face ao expendido, foi julgado improcedente o recurso.

      Cfr. acórdão proferido no processo nº 113/2014 do Tribunal de Última Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

20/4/2015