Situação Geral dos Tribunais

Considera-se título executivo o cheque bancário que serve de escrito particular e que importa o reconhecimento de obrigação pecuniária

      A Companhia B é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício da actividade de concessão de crédito para jogo ou para aposta em jogos de fortuna ou azar em casino na Região Administrativa Especial de Macau. Para jogo ou aposta em casino, A pediu à Companhia B fichas de jogos no valor de HKD 30,000,000.00. Em 28 de Março de 2008, para garantir o reembolso do empréstimo, A emitiu à Companhia B um cheque bancário no valor de HKD 30,000,000.00. Dado que A não pagou a quantia devida, a Companhia B intentou, com base daquele cheque bancário, uma acção executiva contra A no Tribunal Judicial de Base. A apresentou embargos.

      O Tribunal Judicial de Base proferiu sentença em 16 de Março de 2012, entendendo que face à falta de qualquer dado quanto ao momento em que a quantia mutuada foi entregue ao embargante, não se podia dizer que a obrigação de restituir foi constituída ou estava já constituída no momento da entrega do cheque, pelo que, o cheque em causa, que foi entregue à exequente, não importa à constituição nem o reconhecimento de qualquer obrigação, não sendo este um título executivo. O Tribunal julgou procedentes os embargos e, em consequência, declarou extinta a execução intentada pela Companhia B contra A.

      Inconformada, a Companhia B interpôs recurso junto do Tribunal de Segunda Instância. Apreciados os autos, o mesmo tribunal entende que o cheque em causa é um título executivo válido, improcedendo os embargos apresentados pelo executado. Em consequência, foi julgado procedente o recurso, anulando-se a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base e determinando-se a prossecução da execução.

      Inconformado, deste Acórdão A recorreu para o Tribunal de Última Instância.

      O Tribunal de Última Instância procedeu à apreciação da causa. Primeiro, apreciou a questão de falta de título executivo levantada pelo recorrente. O Tribunal Colectivo apontou que o cheque para que constitua título executivo, tem de ser apresentado a pagamento no prazo de 8 dia.Contudo, mesmo após o referido prazo de 8 dias, o cheque pode ser apresentado como título executivo nos termos da alínea c) do art.º 677.º do Código de Processo Civil (documento particular, assinado pelo devedor que importe constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária). De acordo com a matéria de facto provado, o cheque foi assinado e entregue para garantia de reembolso de um crédito de HKD$30.000.000,00 concedido pelo exequente ao executado. Deste modo, afigura-se que a quantia foi emprestada anterior à assinatura e entrega do cheque (28 de Março de 2008), o qual importou o reconhecimento de obrigação pecuniária, sendo portanto título executivo nos termos da al. c) do art.º 677.º do Código de Processo Civil. Improcedeu assim este fundamento do recurso.

      Segundo, quanto à questão da nulidade substantiva do negócio subjacente atrás do cheque invocada pelo recorrente, apontou o Tribunal Colectivo que conforme a certidão emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos em 15 de Janeiro de 2010, juntada ao requerimento inicial na acção executiva intentada pela companhia B, e a certidão emitida pela mesma entidade em 30 de Agosto de 2011, que foi anexa ao requerimento formulado em 21 de Setembro de 2011, ficou demonstrado que à data posta no cheque em causa, 28 de Março de 2008, a Companhia B era titular da licença de promotor de jogos de fortuna ou azar,estando habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito, ao abrigo do contrato legalmente celebrado, com cumprimento dos requisitos previstos n.ºs 1 a 3 do art.º 8.º da Lei n.º 5/2004 (Regime jurídico da concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino) e nada impede a concessão do empréstimo em causa no mesmo dia 28 de Março de 2008. De acordo com o art.º 4.º da mesma lei, da concessão de crédito exercida ao abrigo da presente lei emergem obrigações legais. Improcedeu assim a questão suscitada quanto à nulidade do negócio subjacente.

      Face ao expendido, foi julgado improcedente o recurso.

      Cfr. acórdão proferido no processo nº 49/2014 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

21/4/2015