Licença de obras é um mero documento que titula um direito, não se pode suspender um procedimento de apreciação já concluído
Em 31 de Dezembro de 2004, os recorrentes A e B, formularam ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) o pedido da aprovação do projecto de arquitectura da obra de construção a realizar, num terreno em Macau, acompanhado da certidão do registo civil do qual consta que os ora recorrentes são proprietários daquele terreno. Para o efeito, apresentaram em fases sucessivas e nos termos prescritos nos artºs 19º e s.s. do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) o projecto de arquitectura e os projectos de especialidade, assim como as rectificações que a DSSOPT fez depender a aprovação dos respectivos projectos. Todos os projectos foram aprovados dentro dos prazos legais. Em 13 de Outubro de 2006, 09 de Janeiro de 2007, 13 de Junho de 2007, 13 de Agosto de 2007, 13 de Agosto de 2008 e 25 de Fevereiro de 2011, os ora recorrentes solicitaram, por seis vezes, à DSSOPT a emissão de licença de obra. Nenhuma licença foi emitida. Com fundamento na existência de um litígio referente à titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo prédio e no facto de que foi intentada no Tribunal Judicial de Base uma acção de usucapião para adquirir a propriedade sobre o terreno em causa e que estava pendente no mesmo tribunal, a Directora Substituta da DSSOPT proferiu um despacho em 04 de Junho de 2012, que determinou a suspensão do procedimento de licenciamento da obra em causa. Inconformados, os ora recorrentes interpuseram recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o qual foi indeferido.
Mais uma vez inconformados, A e B recorreram contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que o acto recorrido padece dos vícios de usurpação de poder, de violação de lei por erro na interpretação e aplicação de direito.
Apreciada a causa, o Tribunal de Segunda Instância julgou que a usurpação de poder é um vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial. In casu o que fez a Administração não é mais do que suspender, no termos artº 33º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), um procedimento de licenciamento alegadamente pendente e aguardar a solução, a ser dada pelo Tribunal a um litígio cível que se encontra pendente no tribunal competente. Portanto, a Administração não está a imiscuir-se nesse litígio cível pendente, não constituindo usurpação o seu acto.
No que concerne ao segundo fundamento, “urge averiguar quê natureza tem o acto que consiste na emissão da licença de obra”, disse o Tribunal de Segunda Instância. Entende o Tribunal Colectivo que os recorrentes passaram a obter o direito de edificar no momento em que foi proferido o último despacho que aprovou os projectos de arquitectura. E a licença que os dois pretendem ver emitida ao abrigo do disposto no artº 42º do RGCU após a aprovação de todos os projectos de arquitectura e de obra é um mero documento que titula um direito de edificar e que externa a eficácia do reconhecimento do direito. Deste modo, a Administração não pode suspender, com base no disposto no artº 33º do CPA, o procedimento administrativo com vista ao licenciamento da obra num momento em que já foi validamente tomada a decisão final. Padecendo do vício da violação da lei por erro na interpretação e aplicação de direito, é anulável o acto ora recorrido.
Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância deu provimento ao recurso contencioso interposto, anulando o despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 15 de Novembro de 2012, que indeferiu o recurso hierárquico necessário e manteve o despacho que determinou a suspensão do procedimento de licenciamento das obras de construção.
Cfr. acórdão proferido no processo nº 21/2013 do Tribunal de Segunda Instância.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
23/04/2015