Declarou-se nula a decisão penal condenatória contra os dois médicos por prescrito o procedimento penal
Por acórdão de 17 de Julho de 2014, proferido nos autos de recurso penal n.º 857/2011, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) condenou dois médicos (reclamantes) pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência previsto no art.º 142.º do Código Penal. Vieram os condenados, depois disso, arguir a nulidade do referido acórdão perante o TSI, defendendo que tal acórdão incorreu no vício de nulidade por não ter conhecido (oficiosamente) da questão da prescrição do procedimento penal.
Após o julgamento, o Colectivo do TSI pronunciou-se no sentido seguinte: A prescrição é uma das causas extintivas da responsabilidade criminal. Os tribunais dispõem sempre do poder-dever de conhecer desta questão, sendo que a falta de apreciação dará lugar ao vício de omissão de pronúncia sobre o objecto do processo. O facto criminoso que envolve os arguidos ocorreu no dia 24 de Outubro de 2002. Terá constituído crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto no art.º 142.º do Código Penal de Macau e punível com pena de prisão até 2 anos. Logo, à luz do art.º 110.º, n.º 1, al. d) do Código Penal de Macau, para o aludido crime, é de 5 anos o prazo de prescrição do procedimento penal. Como revelaram os dados constantes dos autos, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos em 9 de Janeiro de 2009, a qual veio a ser-lhes notificada em 19 de Janeiro de 2009, suspendendo-se a prescrição do procedimento penal nos termos do art.º 112.º, n.º 1, al. b) do Código Penal. A partir de 19 de Janeiro de 2009, a prescrição voltou a correr. Como o procedimento penal estava pendente nessa altura, estava suspensa a contagem do prazo prescricional. Porém, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos (art.º 112.º, n.º 2). Ressalvados os 3 anos de suspensão, retomou-se a contagem do prazo de prescrição no dia 19 de Janeiro de 2012. Assim, parece que ainda não se completou a prescrição.
Mas tal não é verdade. Antes da dedução da acusação, o procedimento gastou algum tempo na confirmação da identidade dos arguidos e na aplicação de medidas de coacção, pelo que se interrompeu a prescrição várias vezes, fazendo com que se prorrogasse o prazo prescricional. A este respeito, estabelece-se no n.º 3 do art.º 113.º do Código Penal uma regra especial, no sentido de a pendência contínua do procedimento penal não obstar a que se complete a sua prescrição. Ou seja, “a prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade; mas quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos, o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.”
Deste modo, a prescrição do presente procedimento tem que ter lugar quando, desde o dia 24 de Outubro de 2002, em que ocorreu o facto criminoso, e ressalvados 3 anos de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição de 5 anos acrescido de metade, isto é, 7 anos e meio (aqui a lei deixa de atender às situações de interrupção da prescrição). Então, tendo decorrido 10 anos e 6 meses sobre a ocorrência do facto, o prazo de prescrição do procedimento penal já se completou em 24 de Abril de 2013, facto esse que aconteceu antes da prolação do acórdão reclamado, e de que cumpria ao Tribunal conhecer oficiosamente ainda que não tenha sido suscitado pelas partes.
Face ao exposto, o Colectivo do TSI julgou procedente a reclamação, declarando nulo o segmento penal da decisão reclamada, e extinta a responsabilidade criminal dos reclamantes pela prescrição do procedimento penal.
Cfr. Acórdão posterior do TSI, de 16.12.2014, processo n.º 857/2011.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
02/06/2015