Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 22/10/2021 106/2021 Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
    • Assunto

      - Dispensa de serviço
      - Inconveniência da permanência nas FSM
      - Princípio da proibição da dupla valoração

      Sumário

      1. Nos termos do n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM, a dispensa de serviço de um militarizado é determinada por seu mau comportamento, que demonstre a inconveniência da sua permanência nas FSM.
      2. A dispensa de serviço é uma medida de carácter essencialmente militar que não visa a punição de determinada actuação concreta do agente, tratando-se antes de uma medida de carácter estatutário que leva em conta o “perfil” desse mesmo agente, isto é, as suas qualidades morais, cívicas e militares e a sua adequação ao serviço.
      3. Para além do “mau comportamento”, não se encontra na norma legal em causa a referência de outros elementos, factores ou critérios relevantes que ofereçam auxílio à formação de juízo de avaliação sobre a referida inconveniência, nem se vê que o legislador exige a avaliação por parte da Administração de todo o comportamento do militarizado durante todo o tempo de serviço para formar o juízo de apreciação, indispensável para a determinação de dispensa de serviço.
      4. Não decorre da norma a exigência de uma avaliação comportamental do militarizado na sua globalidade.
      5. No caso sub judice, estamos em crer que, ao definir, como pressuposto da medida de dispensa de serviço, a inconveniência da permanência do militarizado nas FSM, o legislador confere um poder muito amplo à Administração para proceder à avaliação do comportamento do militarizado, formando um juízo sobre a (in)conveniência da sua permanência nas fileiras das forças de segurança.
      6. O princípio da proibição da dupla valoração só vale para a prática dos actos de mesma natureza, por exemplo, nos casos em que o agente foi disciplinarmente punido por duas ou mais vezes pelos mesmos factos, há dupla valoração, que é proibida, proibição esta que também vale para situações em que as mesmas circunstâncias foram avaliadas por duas vezes no mesmo processo disciplinar para punir o mesmo agente.
      7. A pena disciplinar é uma sanção com natureza distinta da dispensa de serviço, sendo esta a medida meramente administrativa, sem carácter disciplinar.
      8. Estamos perante duas medidas distintas, com a natureza diferente e a justificação também distinta, em cuja aplicação estão subjacentes as considerações e necessidades de diversas ordens, sendo uma a punição disciplinar pela conduta concreta do agente e outra a medida estatutária que se justifica pela falta de idoneidade, desadequação ética ou incompetência do agente para o exercício das funções, que tornam inconveniente (ou até intolerável) a sua permanência nas fileiras das forças de segurança, tanto por razões da vida interna da respectiva instituição como por projecção da imagem desta junto da comunidade, sobretudo quando tomamos em consideração as expectativas e confianças que o público tem depositado para com as forças de segurança.
      9. E estamos perante dois juízos também distintos, respectivamente sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional (pena de demissão) e a inconveniência de permanência nas FSM (dispensa de serviço), a não verificação do primeiro não afasta necessariamente a conclusão afirmativa sobre o segundo.
      10. Não obstante a utilização do termo “pode” no n.º 1 do art.º 77.º do EMFSM, estamos perante um “poder-dever”, cabendo à Administração determinar a dispensa de serviço do militarizado, sempre que conclua pela inconveniência de sua permanência nas fileiras das forças de segurança, não lhe restando outra alternativa.

      Resultado

      Acordam em negar provimento ao recurso.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dra. Song Man Lei
      • Juizes adjuntos : Dr. José Maria Dias Azedo
      •   Dr. Sam Hou Fai