Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 11/03/2022 8/2022 Recurso em processo penal
    • Assunto

      Crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”.
      Erro notório na apreciação da prova.
      Contradição insanável da fundamentação.
      Tentativa.
      Declaração de perda de objectos.
      Pressupostos.
      (Requalificação jurídico-penal).

      Sumário

      1. O crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” reconduz-se à categoria dos designados “crimes de perigo abstracto” e “de perigo comum”.

      Nos “crimes de perigo abstracto”, a Lei basta-se com a aptidão (genérica) de determinadas condutas para constituírem um perigo que atinja determinados bens e valores, baseando-se na suposição legal de que determinados comportamentos são geralmente perigosos para esses bens e valores.

      Por sua vez, fala-se em “crime de perigo comum” face à multiplicidade de bens jurídicos que se pretende salvaguardar.

      No caso, a “saúde pública”, como bem jurídico complexo que primacialmente visa proteger “bens jurídicos pessoais”, como a integridade física e a vida dos consumidores, tutelando também valores como a tranquilidade, a liberdade individual e a estabilidade familiar.

      2. Qualificam-se, outrossim, como tipos de ilícito “exauridos”, “excutidos” ou de “empreendimento”, e em relação aos quais se considera que o “resultado típico” alcança-se logo com o que normalmente configura a realização inicial do iter criminis, (uma mera tentativa), precisamente porque, já aí, antes de se verificar qualquer lesão efectiva, verificado – consumado – está o perigo dessa lesão.

      A tutela penal é, deste modo, antecipada, sendo, assim, o crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” punido como um “processo”, e não, apenas, como o “resultado de um processo”.

      3. Nos termos do art. 101° do C.P.M.:

      “1. São declarados perdidos a favor do Território os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
      2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto.
      3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos declarados perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos for a do comércio”.

      Assim, e para a preceituada “declaração de perda de bens” essencial é que o Tribunal dê como provados os “factos” que integram os seus “pressupostos”, isto é, que os “objectos” em questão “serviram ou estavam destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este foram produzidos, …”, imprescindível se apresentando desta forma que a dita “matéria de facto” conste de expressa descrição na acusação – ou no despacho de pronúncia – para que, em observância do princípio do contraditório e no cabal exercício do direito de defesa, seja objecto de discussão e investigação em audiência de julgamento, com fundamentada “pronúncia”, (não bastando uma mera “remissão” feita na decisão da matéria de facto para uma breve “consideração” tecida em sede de um “auto de apreensão” efectuado na fase de Inquérito, onde nem se explicitam devidamente as suas razões).

      Resultado

      - Concedido parcial provimento ao recurso da 1ª arguida; negado provimento aos recursos dos 2º e 4ª arguidos.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dra. Song Man Lei